A arte de perder

“A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.”

Elizabeth Bishop

Viver é deixar para trás pequenos pedaços de si. É reconhecer essas perdas e encontrar nossos modos singulares de lidar com elas. Desde pequenos aprendemos a nos separar de quem amamos – ainda que haja retorno, ainda que haja acalento, ainda que haja cuidado. Aprendemos a perder o espaço que ocupamos, a nos desfazer de objetos, a abandonar a infância. Como parte constituinte do viver, perder é morrer um pouco. E renascer. Continue lendo

“De como lidar com…” ou O cuidado com os processos de adoecimento emocional

Há uma variedade de mensagens e textos pelas redes sociais explicando “como lidar com alguém depressivo” ou “como lidar com alguém ansioso”. Com algumas dicas, muitas vezes em listas, todos esses textos fazem um importante apelo: “por favor, não julgue”! Reflito, pois, sobre o que vem acontecendo e o que vem produzindo a necessidade de mensagens assim. O quanto estamos julgando as pessoas pelos seus processos de adoecimento psíquico – ou mesmo períodos não patológicos de luto e tristeza – , como se a melhora dependesse unicamente de simples mudanças de hábito ou da vontade individual? Como se a melhora fosse e tivesse que ser rápida: “sei, sei que você está sofrendo, mas já faz muito tempo, não?” Quem determina o tempo? E qual o tempo de cada um? De tanto correr, o quanto nos atropelamos? De tanto correr, o quanto não olhamos para o outro?

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“Os comprimidos não podem e não conseguem facilitar nossa volta à realidade. Eles só nos trazem de volta de cabeça, adernando e mais rápido do que às vezes podemos suportar. A psicoterapia é um santuário; um campo de batalha; um lugar em que estive psicótica, neurótica, enlevada, confusa e com uma esperança inacreditável. Mas sempre, foi ali que acreditei – ou aprendi a acreditar – que um dia talvez pudesse ser capaz de enfrentar isso.”

Kay Redfield Jamison, no livro “Uma Mente Inquieta”, relatando sua experiência de vivência e de tratamento do transtorno bipolar.

O tempo e a cura

O tempo é um senhor muito sábio. o grande mestre da cura. Ele nos faz atentar para o fato de que, no que se refere aos nossos modos se sentir e vivenciar a realidade, nem o “para sempre” nem o “nunca mais” podem ser pensados de forma rígida. Em constante movimento, a vida mostra que aquela dor não será eterna – assim como também não o será a alegria dos bons momentos. Continue lendo

É permitido chorar

Eu vou falar dela, mas não é fácil. Ela, que nos dá a compreensão do pôr-do-sol e de tantos outros adeuses, é quase proibida. É quase errado dizer o nome dela em voz alta: tristeza. Ela é aquela coisa que existe na poesia e nas letras de música, naquele samba de saudade e naquele filme bonito e cheio de amor. Mas em nós, não: em nós ela não pode existir. Quando algo doloroso nos ocorre, somos convocados erguer a cabeça, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Assim, sorrindo. Porque somos fortes. Porque não podemos sucumbir à dor.

Atendendo pacientes em tratamento de câncer, escuto tantas vezes a estranha associação entre “ser forte” e “não chorar” ou “não ficar triste”. Como se só no riso aberto residisse a força. Muitas vezes é um familiar ou amigo, cheio de intenções amorosas, que faz tais exigências: “você precisa ser forte, precisa manter um sorriso no rosto, o câncer não vai te derrubar – e deixa quieto que o cabelo depois nasce – e, se você ficar triste, pode ser ruim para o tratamento ”. Cada um de nós pode estar nesse lugar de exigir do outro ou de si mesmo o impossível: uma força que não contempla a fragilidade da vida, do tempo, dos dias. Uma força que não permite a lágrima, o pedido de um colo, a lembrança de um samba, a saudade de um ontem, o desejo de um nunca.
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Cuidar-se

Fato: o mundo carece de maior gentileza. Gentileza é cuidado. Gentileza é ética. Gentileza é saúde. E, no entanto, temos nos esquecido disso. Temos sido hostis no trânsito, nos supermercados, nas ruas e em casa. Temos sido hostis com nossos amores e amigos e com aqueles que nem sequer conhecemos. Temos desaprendido a arte da delicadeza. Quase sem querer, ferimos aqueles que amamos e depois nos arrependemos. Sofremos e, de tanto sofrer, fazemos sofrer. A razão para isso é simples: a dor, se não cuidada, gera mais dor. Espalha-se pelo mundo alucinadamente. A sua dor, quando não encontra espaço de escuta e carinho, machuca o outro. É só você se lembrar das vezes em que, cansado por mais um dia de trabalho, acabou por ser hostil com alguém que aguardava sua ternura ou seu abraço. Acontece. É humano. Acontece, muitas vezes, porque esquecemo-nos de cuidar de nossas próprias dores. O primeiro passo para cuidar bem do outro é cuidar bem de si.

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Por que Fazer Terapia?

 

As razões para se buscar terapia são muitas, mas o principal é que haja vontade por parte do paciente. Vontade de pensar acerca de suas próprias questões e buscar transformações em sua vida. O espaço da terapia é um espaço para que o paciente exponha e trabalhe suas diversas questões e tenha, por parte do terapeuta, uma escuta qualificada e atenta. É nesse processo que as importantes transformações podem se dar, na medida em que o paciente, com auxílio do terapeuta, constrói novos caminhos para a sua vida.

A terapia é um trabalho de constante construção e desconstrução: é uma reconstrução da história pessoal e familiar e uma produção de novas histórias. Histórias que expandem a realidade individual e familiar, que tocam o fundo ao redor e produzem mudanças – por vezes discretas, outras vezes profundas. Aquele que busca fazer terapia pode estar passando por momento de intensa angústia, por alguma situação crítica na vida ou apenas buscando um espaço para elaborar melhor suas questões cotidianas. O importante é que ele encontre na terapia um bom espaço de fala, em que se sinta seguro para trazer o que tem de mais profundo.

Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo. Hermann Hesse