Aquele amor maior: o amor próprio

A dependência emocional produz dores profundas e difíceis de serem tratadas: ao pensar que se precisa da validação do outro para se sentir alguém, a pessoa que sofre de dependência emocional se coloca em um estado de constante vulnerabilidade. Você já se viu assim? Sentindo-se sem valor ao ser duramente criticado ou deixado por alguém (um amor, um amigo, um colega de trabalho, um familiar)? É mais comum do que se pensa. Muitas vezes, diante de situações assim, vivências inconscientes e antigas de abandono vêm à tona e crescem na consciência como uma crença de baixo valor próprio e de extrema solidão. Muitas vezes o luto intenso pelo término de uma relação tem a ver com vivências mais profundas do que se imagina. É por isso que o cultivo do amor próprio – expressão tão próxima do senso comum mas que fala de algo tão necessário – é essencial.

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De ser simplesmente humano: quando a gente tropeça no autocuidado

Há alguns dias escrevi um post com pequenas dicas sobre o que fazer em tempos de pandemia. Mantenho-as como válidas e importantes – você pode ir lá e olhar. Mas nada como o tempo para nos ensinar a desaprender as coisas e reaprender outras. Como psicóloga, como humana, como mulher de 36 anos, nunca vivi algo semelhante ao que estamos vivendo agora. Creio que isso é novo para todos nós. E, diante do novo, precisamos encontrar formas de nos reinventar. Como? Não sei dizer ao certo. Tenho aprendido com cada paciente, cada pessoa querida, cada depoimento que leio e escuto. Tenho aprendido comigo.

Este é um post íntimo de uma psicóloga que diz: eu não sei. E a gente não precisa saber. A gente vai descobrindo. Pode ser que você aprecie a solidão ou a própria companhia. Pode ser que você precise encontrar formas diferentes de contato – e a internet nos ajuda nisso. Pode ser que você descubra um talento novo ou se redescubra naquilo que parecia desconhecido. E pode ser que você tropece nisso. E não saiba mais o que fazer.

Eu lhe digo, então: está tudo bem tropeçar. Está tudo bem você ficar confuso com as notícias e querer fechar os olhos e apenas dormir. Desde que não se afunde nisso, permita-se às vezes sentir a dor. O mundo dói na gente. Mais em uns do que em outros. De jeitos diferentes. Uma foto que sem querer passa na tela de nosso celular pode derrubar nosso dia. Uma outra pode nos animar. A varanda ou o quintal de casa podem ser pequenas saídas para o mundo exterior. Um pouco de sol em meio aos tropeços.

E você pode querer arrumar tudo toda hora. E desinfetar tudo toda hora. Ou de repente se cansar disso. Se seu coração estiver confuso, está tudo bem. A gente não sabe bem o que fazer. Ninguém de nós. A gente se escuta e se conforta. E se você não conseguir fazer yoga, você pode dançar. Se você não conseguir dançar, você pode ouvir música. Se você não conseguir ouvir música, você pode escrever. Ou pintar. Ou gritar. Você pode gritar.

Você pode gritar! Continue lendo

E quando você tem um dia ruim?

Você olha a internet. Facebook. Instagram. As pessoas celebram a corrida matinal ou mais um dia fechado com sucesso. O cansaço de um dia cheio de trabalho é exaltado. Metas cumpridas, sorrisos alegres, finais de semana na praia ou na balada.

Você acorda cedo. Sua cabeça está doendo. Ou você tem uma crise de ansiedade. Talvez seja um dia em que a depressão bateu mais forte. Ou você simplesmente não dormiu bem. Ontem você se lembrou de que faria um ano da morte de alguém querido. Hoje você não está bem para trabalhar. É dia de semana. Você queria era mais tempo de cama. Você toma seu analgésico, quem sabe. Recupera-se de leve. Você vê o sol brilhando e só fica pensando no calor do ônibus lotado. Você está de mau humor. E o dia passa como se não valesse a pena. Como se você estivesse carregando pedras enormes até o alto de uma montanha e elas rolassem morro abaixo e você tivesse que empurrá-las de novo. Isso é mitológico. Sísifo, castigado por Zeus na mitologia grega, passava por isso. Isso pode ser uma metáfora para um dia ruim. Ou para vários dias ruins. Continue lendo

Reconhecendo seus próprios limites

E então você sofre um acidente e precisa parar de trabalhar por um tempo. Ou então é a própria exaustão que lhe gera uma crise emocional e você demanda um afastamento de suas atividades. Mas você não quer parar. Você tem medo. Medo de perder o reconhecimento, o lugar, a potência. O medo da invalidez – temporária ou permanente – acompanha-nos como o medo da morte, mas não de maneira idêntica. Há quem diga, por exemplo, que não teme tanto a ideia de morrer, mas se angustia com a ideia de ficar dependente e dar trabalho aos outros. Aquilo que nos faz parar, “dar trabalho”, precisar de colo, depender de apoio às vezes parece insuportável. É uma ferida em nossa ideia de perfeição e de potência. É um reconhecimento – muitas vezes doloroso – dos limites da vida.

A doença, no corpo ou na alma, muitas vezes aparece como forma de mostrar o limite. As dores, as ansiedades, as depressões exigem pausas, mais longas ou mais curtas, e fazem com que precisemos pedir ajuda. Não apenas profissional, mas também de familiares e amigos. Nesses casos, aprendemos a formar redes e a reconhecer a importância dos laços. A parar aquilo que sempre nos pareceu natural de fazer e repousar o coração. Continue lendo

A folia em nós

É Carnaval. Qual a sua fantasia? Ainda que você não caia na folia, vale a pena permitir-se a beleza das tantas máscaras que nos envolvem. Tendemos a demonizar as máscaras: costumamos dizer que “a máscara caiu” quando alguém revela de si algo desconhecido – uma faceta menos doce ou agradável. Mas não usamos máscaras o tempo inteiro? Não nos fantasiamos, afinal, dos inúmeros papéis que ocupamos na sociedade? As máscaras são nossas inúmeras peles. É preciso ser um pouco camaleão. É preciso ter um pouco de réptil e trocar de pele de vez em quando. Hoje, talvez, você queira ser bicho-preguiça e passar a tarde inteira na rede. Amanhã no mar. Se lhe foi oferecido tempo livre, você pode aproveitar as maravilhas do feriado sendo bruxa, fada, demônio ou guerreiro. Você pode dançar o Carnaval até tarde e se permitir um amor sem compromisso – sempre com o consentimento das partes e com camisinha, vale lembrar. Porque o autocuidado e o cuidado do outro cabem em qualquer fantasia.

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Sua história importa

A história é o fio condutor da vida. Mas não é determinante. Ela não diz: “é assim que você será para sempre”. Ela explica: “É por isso que você hoje se apresenta desse modo”. Ela é feito raízes e sementes que fazem crescer caules e germinar flores. A história conduz aos frutos. E revela novos nascimentos e novas mortes em um mesmo fio de vida.

Sua história importa. Sua história de família e os arredores de seu bairro. Suas brincadeiras de infância, o seio que alimentou seu corpo. Todas as narrativas, lendas e todos os mistérios que alimentaram seu espírito. Todas as memórias que hoje dançam ao seu redor. A história é seu primeiro roer de unhas em uma situação de aflição. Ela também conta dos monstros – reais ou imaginários – que assombraram sua infância. A história carrega seus traumas e as estratégias que você criou para atravessá-los. Conta das vezes em que seu corpo foi ferido, tocado de forma imprópria, amaldiçoado. Fala também de sua alma deixada de lado, seus saberes não reconhecidos. Continue lendo

Das tramas da ansiedade

Não é o mesmo que estar preocupado com uma prova que ocorrerá no final de semana. Não é o mesmo que um friozinho na barriga antes de um acontecimento delicioso. Não é o mesmo que estar ansioso com algo específico e depois passar. É mais como se houvesse uma prova gigantesca a cada dia, a cada hora, a cada instante. As tramas da ansiedade colocam você em um estado de constante alerta. E o corpo fica também alerta. O peito aperta, as pernas tremem, a respiração falha. Às vezes ocorre uma crise de pânico, sensação das mais assustadoras. E você tem ânsia de viver mas parece estar sempre à beira de um abismo. E todos os pensamentos de todas as tragédias possíveis fazem sua mente agitar e seu coração saltitar. E então você não consegue explicar aos seus amigos o motivo de não conseguir ir à sessão de cinema marcada há dias. “É que hoje não dá”. – e seu coração aperta. E você não consegue explicar aos famíliares o porquê de precisar sair para tomar um ar no almoço de domingo. E você está suando mesmo estando frio. E você pede ao seu companheiro ou à sua companheira que lhe abrace e conte a respiração com você. E às vezes ele ou ela não entende. Talvez você já faça uso de medicações para ansiedade. É importante que, se o fizer, faça com acompanhamento médico. Talvez você já faça terapia. E esteja trabalhando isso. Continue lendo

Aquele SIM que você pode (e merece) dizer

A si mesmo.

Ouço em meus atendimentos uma queixa muito comum: a dificuldade de dizer não. A amiga vem pedir uma ajuda e, no momento, a pessoa não se encontra disposta: o não está agarrado na garganta mas a pessoa diz sim. E diz sim suprimindo o próprio desejo de, quem sabe, apenas descansar. A mãe exige presença em uma festa da família: porque, afinal, é uma festa da família. A pessoa diz sim. E se sente sufocada como se as horas na festa fossem maiores do que as horas comuns dos dias. O filho mais uma vez arruma aquele problema financeiro – ah, o mesmo de sempre – e a mãe desiste da própria viagem para suprir a demanda do não mais pequeno bebê. E a situação vai ficando pior. As pessoas exigem carona. Presença, conselho. Cabeça erguida quando você está está triste. Elas exigem, não pedem. Exigem que você ame como elas querem. Que você não se separe. Que você não ame alguém do mesmo sexo. Que você, sendo mãe, não saia para amar ou dançar. As pessoas exigem. Em nome de si mesmas, da sociedade, da religião. E não aceitam um “não”. Ficam magoadas, feridas, queixosas. Ficam desesperadas. Você de repente se torna um poço infindável de sim e sim e sim. E, enquanto isso, sua mente e seu corpo começam a não suportar mais. Continue lendo

No seu tempo, na sua hora, nos seus passos

Há quem diga: “Apresse-se! Já era hora de você estar se levantando da cama”; “Mas você não está se esforçando nada”; “Ansioso por quê? Não há nada acontecendo.”

Sabemos. Há sempre mundos acontecendo dentro de nós. Tendo a escrever sobre o tempo e sobre os movimentos sutis porque é assim que as transformações ocorrem. Hoje gostaria  de convidar você a olhar a sua história. Seus passos mais recentes e mais antigos. Todas as lutas travadas e todas as vezes em que você venceu essas lutas. Não precisam ser lutas que os outros – familiares e amigos – possam enxergar: isso é entre você e você.

Você sabe o quanto foi sufocante ouvir palavras duras aos 8 anos de idade e seguir – aos trancos e barrancos – acreditando em si. Você sabe o quanto foi custoso começar uma faculdade e você foi lá. E começou. E eu não sei se você continuou, mas você começou. E você sabe o quanto foi custoso – emocionalmente e financeiramente – continuar. Continue lendo

Maternar-se: a profunda arte de cuidar de si

Especialmente para as mulheres, socialmente ainda tão formadas para cuidar do outro e esquecer de si. Mas vale para qualquer pessoa que se sentir abandonando a si mesma e adoecendo deste abandono.

Há momentos e situações da vida em que você pode se sentir extremamente desconectada do seu corpo, de suas ideias, de suas potências e de seus saberes. Processos duros de adoecimento produzem isso.  Pode ser uma perda, uma situação de trauma causada por violência física ou moral, podem ser assédios sistemáticos e dores repetitivas. Você é forte, mas seu corpo sucumbe: então você faz um quadro depressivo, ansioso ou mesmo de sofrimentos psicossomáticos. Machuca. Profundamente.

Por isso, busco aqui falar do movimento de maternar-se: tornar-se mãe de si mesma. É certo – e fundamental – que uma rede de apoio ajuda muito. Mas o seu cuidado consigo é o primeiro passo para a busca de um cuidado maior. Inclusive para pedir ajuda. Maternar-se é saber-se forte o suficiente para fazer movimentos para se erguer: acolher-se nos próprios braços e fazer-se carícias emocionais. Dizer a si mesma doçuras – talvez daquelas que sua mãe ou figura semelhante já tenha dito – para se lembrar de quem você é: e você não é uma pessoa deprimida, ansiosa ou doente. Você é uma pessoa inteira que adoeceu. Porque a doença é parte da vida e a doença fala daquilo que já não estava sendo suportável. Continue lendo