Traumas, sexualidade e dissociação

Para falar de trauma e sexualidade, é preciso compreender antes de tudo que eventos traumáticos, especialmente na Infância, conduzem o Individuo a voltar todo o ódio não contra quem o traumatizou, mas contra si e contra o próprio corpo.

“O mundo do trauma que existe em cada um de nós difere, dependendo de nossa disposição Individual e de nossas experiências pessoals. (- há uma dinâmica que é comum a todos os que sofrem o trauma: primeiro, o sistema se torna extremamente sensível, segundo, desenvolvemos alguma forma de dissociação; terceiro, nossa identidade se entrelaça com a vergonha. Em consequência, não temos escolha a não ser vivenciar a nós mesmos e aos outros de forma distorcida”.

Daniela Sieff no livro “compreensão e cura do trauma emocional: conversações com clínicos e pesquisadores pioneiros.

Outra questão Importante é compreender que aqui falamos de violências físicas, sexuais e psicológicas e também de situações de negligência emocional nem sempre tão perceptíveis a olhares menos atentos. É na clínica que, muitas vezes, conseguimos ouvir na criança, no adolescente ou no adulto – a voz da criança maltratada, violentada, negligenciada.

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Sua história importa

A história é o fio condutor da vida. Mas não é determinante. Ela não diz: “é assim que você será para sempre”. Ela explica: “É por isso que você hoje se apresenta desse modo”. Ela é feito raízes e sementes que fazem crescer caules e germinar flores. A história conduz aos frutos. E revela novos nascimentos e novas mortes em um mesmo fio de vida.

Sua história importa. Sua história de família e os arredores de seu bairro. Suas brincadeiras de infância, o seio que alimentou seu corpo. Todas as narrativas, lendas e todos os mistérios que alimentaram seu espírito. Todas as memórias que hoje dançam ao seu redor. A história é seu primeiro roer de unhas em uma situação de aflição. Ela também conta dos monstros – reais ou imaginários – que assombraram sua infância. A história carrega seus traumas e as estratégias que você criou para atravessá-los. Conta das vezes em que seu corpo foi ferido, tocado de forma imprópria, amaldiçoado. Fala também de sua alma deixada de lado, seus saberes não reconhecidos. Continue lendo

Das tramas da ansiedade

Não é o mesmo que estar preocupado com uma prova que ocorrerá no final de semana. Não é o mesmo que um friozinho na barriga antes de um acontecimento delicioso. Não é o mesmo que estar ansioso com algo específico e depois passar. É mais como se houvesse uma prova gigantesca a cada dia, a cada hora, a cada instante. As tramas da ansiedade colocam você em um estado de constante alerta. E o corpo fica também alerta. O peito aperta, as pernas tremem, a respiração falha. Às vezes ocorre uma crise de pânico, sensação das mais assustadoras. E você tem ânsia de viver mas parece estar sempre à beira de um abismo. E todos os pensamentos de todas as tragédias possíveis fazem sua mente agitar e seu coração saltitar. E então você não consegue explicar aos seus amigos o motivo de não conseguir ir à sessão de cinema marcada há dias. “É que hoje não dá”. – e seu coração aperta. E você não consegue explicar aos famíliares o porquê de precisar sair para tomar um ar no almoço de domingo. E você está suando mesmo estando frio. E você pede ao seu companheiro ou à sua companheira que lhe abrace e conte a respiração com você. E às vezes ele ou ela não entende. Talvez você já faça uso de medicações para ansiedade. É importante que, se o fizer, faça com acompanhamento médico. Talvez você já faça terapia. E esteja trabalhando isso. Continue lendo

No seu tempo, na sua hora, nos seus passos

Há quem diga: “Apresse-se! Já era hora de você estar se levantando da cama”; “Mas você não está se esforçando nada”; “Ansioso por quê? Não há nada acontecendo.”

Sabemos. Há sempre mundos acontecendo dentro de nós. Tendo a escrever sobre o tempo e sobre os movimentos sutis porque é assim que as transformações ocorrem. Hoje gostaria  de convidar você a olhar a sua história. Seus passos mais recentes e mais antigos. Todas as lutas travadas e todas as vezes em que você venceu essas lutas. Não precisam ser lutas que os outros – familiares e amigos – possam enxergar: isso é entre você e você.

Você sabe o quanto foi sufocante ouvir palavras duras aos 8 anos de idade e seguir – aos trancos e barrancos – acreditando em si. Você sabe o quanto foi custoso começar uma faculdade e você foi lá. E começou. E eu não sei se você continuou, mas você começou. E você sabe o quanto foi custoso – emocionalmente e financeiramente – continuar. Continue lendo

Maternar-se: a profunda arte de cuidar de si

Especialmente para as mulheres, socialmente ainda tão formadas para cuidar do outro e esquecer de si. Mas vale para qualquer pessoa que se sentir abandonando a si mesma e adoecendo deste abandono.

Há momentos e situações da vida em que você pode se sentir extremamente desconectada do seu corpo, de suas ideias, de suas potências e de seus saberes. Processos duros de adoecimento produzem isso.  Pode ser uma perda, uma situação de trauma causada por violência física ou moral, podem ser assédios sistemáticos e dores repetitivas. Você é forte, mas seu corpo sucumbe: então você faz um quadro depressivo, ansioso ou mesmo de sofrimentos psicossomáticos. Machuca. Profundamente.

Por isso, busco aqui falar do movimento de maternar-se: tornar-se mãe de si mesma. É certo – e fundamental – que uma rede de apoio ajuda muito. Mas o seu cuidado consigo é o primeiro passo para a busca de um cuidado maior. Inclusive para pedir ajuda. Maternar-se é saber-se forte o suficiente para fazer movimentos para se erguer: acolher-se nos próprios braços e fazer-se carícias emocionais. Dizer a si mesma doçuras – talvez daquelas que sua mãe ou figura semelhante já tenha dito – para se lembrar de quem você é: e você não é uma pessoa deprimida, ansiosa ou doente. Você é uma pessoa inteira que adoeceu. Porque a doença é parte da vida e a doença fala daquilo que já não estava sendo suportável. Continue lendo

O tempo e a cura

O tempo é um senhor muito sábio. o grande mestre da cura. Ele nos faz atentar para o fato de que, no que se refere aos nossos modos se sentir e vivenciar a realidade, nem o “para sempre” nem o “nunca mais” podem ser pensados de forma rígida. Em constante movimento, a vida mostra que aquela dor não será eterna – assim como também não o será a alegria dos bons momentos. Continue lendo

É permitido chorar

Eu vou falar dela, mas não é fácil. Ela, que nos dá a compreensão do pôr-do-sol e de tantos outros adeuses, é quase proibida. É quase errado dizer o nome dela em voz alta: tristeza. Ela é aquela coisa que existe na poesia e nas letras de música, naquele samba de saudade e naquele filme bonito e cheio de amor. Mas em nós, não: em nós ela não pode existir. Quando algo doloroso nos ocorre, somos convocados erguer a cabeça, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Assim, sorrindo. Porque somos fortes. Porque não podemos sucumbir à dor.

Atendendo pacientes em tratamento de câncer, escuto tantas vezes a estranha associação entre “ser forte” e “não chorar” ou “não ficar triste”. Como se só no riso aberto residisse a força. Muitas vezes é um familiar ou amigo, cheio de intenções amorosas, que faz tais exigências: “você precisa ser forte, precisa manter um sorriso no rosto, o câncer não vai te derrubar – e deixa quieto que o cabelo depois nasce – e, se você ficar triste, pode ser ruim para o tratamento ”. Cada um de nós pode estar nesse lugar de exigir do outro ou de si mesmo o impossível: uma força que não contempla a fragilidade da vida, do tempo, dos dias. Uma força que não permite a lágrima, o pedido de um colo, a lembrança de um samba, a saudade de um ontem, o desejo de um nunca.
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Cuidar-se

Fato: o mundo carece de maior gentileza. Gentileza é cuidado. Gentileza é ética. Gentileza é saúde. E, no entanto, temos nos esquecido disso. Temos sido hostis no trânsito, nos supermercados, nas ruas e em casa. Temos sido hostis com nossos amores e amigos e com aqueles que nem sequer conhecemos. Temos desaprendido a arte da delicadeza. Quase sem querer, ferimos aqueles que amamos e depois nos arrependemos. Sofremos e, de tanto sofrer, fazemos sofrer. A razão para isso é simples: a dor, se não cuidada, gera mais dor. Espalha-se pelo mundo alucinadamente. A sua dor, quando não encontra espaço de escuta e carinho, machuca o outro. É só você se lembrar das vezes em que, cansado por mais um dia de trabalho, acabou por ser hostil com alguém que aguardava sua ternura ou seu abraço. Acontece. É humano. Acontece, muitas vezes, porque esquecemo-nos de cuidar de nossas próprias dores. O primeiro passo para cuidar bem do outro é cuidar bem de si.

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