Sobre estar pronto

Você muitas vezes pode querer esperar estar pronto para começar. Ou para recomeçar. Para colocar um fim. Para tomar aquela decisão importante que poderá dar uma volta misteriosa em sua vida. Uma volta rumo a não sei onde. Rumo a estradas tortuosas, mas desejadas. Você muitas vezes pode querer esperar estar pronto para o desejo. Ou para dar partida ao desejo. Entendo o cuidado. É compreensível que se tenha cautela diante de escolhas e mudanças. Afinal, a vida é delicada. Um fio de doçura. É fundamental no entanto, saber também que toda transformação só se dá na caminhada. No riscar dos passos. No arriscar do destino. No lançar-se à loucura das possibilidades. Afinal, a vida é potente. Um tronco de força.

Nunca se está deveras pronto para começar. Para recomeçar. Ou para colocar um fim. Fazer uma escolha é sempre escolher uma morte e um parto. E são dois momentos difíceis que experienciamos diversas vezes ao longo de nossa existência. Nascemos e morremos a cada escolha. Deixamos para trás peças que não nos servem mais, mas que deixam pontadas de saudades do que poderíamos ter sido. Saltamos rumo o desconhecido em nós, ávidos de amor e pálidos de medo. Mas saltar é preciso. Necessário. Urgente.

Se você germina um desejo há um tempo. Se você o trabalha em seu corpo, em sua alma e em seu coração há um bom período, talvez seja momento de iniciar os passos rumo à concretização. Não digo, é claro, que não existam limites. A realidade material é um limite concreto e, em alguns períodos, intransponível. Alguns desejos, no entanto, não são sufocados pela realidade material, mas por uma realidade mais delicada, sutil: por esse medo do pode advir da realização. Esse querer esperar estar pronto que venho trabalhando ao longo desse texto. É a desejos dessa ordem que me refiro.

Percebo em meus pacientes que, na medida em que camadas de medo se desfazem, as possibilidades do desejo ganham maior concretude. Assumem mais corpo, mais potência, mais realidade. Às vezes, em passos pequenos. Como se fossem pequenos passos de uma criança aprendendo a andar. Ainda não está pronta. Mas está. Este é o paradoxo: você não está pronto, mas está. Você vai tropeçar, mas você já consegue dar três passos sem cair. Você tem um caminho a seguir. Você pode começar. Recomeçar. Ou colocar um fim. Uma morte e um parto. E sua vida resiste. E insiste. Porque sua vida é desejo e potência.

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