E então você sofre um acidente e precisa parar de trabalhar por um tempo. Ou então é a própria exaustão que lhe gera uma crise emocional e você demanda um afastamento de suas atividades. Mas você não quer parar. Você tem medo. Medo de perder o reconhecimento, o lugar, a potência. O medo da invalidez – temporária ou permanente – acompanha-nos como o medo da morte, mas não de maneira idêntica. Há quem diga, por exemplo, que não teme tanto a ideia de morrer, mas se angustia com a ideia de ficar dependente e dar trabalho aos outros. Aquilo que nos faz parar, “dar trabalho”, precisar de colo, depender de apoio às vezes parece insuportável. É uma ferida em nossa ideia de perfeição e de potência. É um reconhecimento – muitas vezes doloroso – dos limites da vida.
A doença, no corpo ou na alma, muitas vezes aparece como forma de mostrar o limite. As dores, as ansiedades, as depressões exigem pausas, mais longas ou mais curtas, e fazem com que precisemos pedir ajuda. Não apenas profissional, mas também de familiares e amigos. Nesses casos, aprendemos a formar redes e a reconhecer a importância dos laços. A parar aquilo que sempre nos pareceu natural de fazer e repousar o coração.
Aqui, podemos introduzir o arquétipo do inválido, bem descrito por Adolf Guggenbühl-Craig:
O arquétipo da inválido pode ter um efeito positivo para a pessoa que o vivencia. Ele se opõe à soberba e promove a modéstia. A fraqueza humana é compreendida em sua plenitude por essas pessoas e assim torna-se possível um tipo de espiritualização. Elas vivem continuamente com um tipo de memento mori; estão sempre se confrontando com a decadência de seu próprio corpo – não se vê aquela ambição centrada em si mesmo, baseada no corpo. É um arquétipo que constela em outras pessoas bondade e paciência. Por ser tão humano pode o arquétipo ser muito humanizador.
Os arquétipos, na concepção junguiana, são impressões primordiais acerca de questões universais, coletivas, e que, portanto, de alguma forma são vivenciados por todos os seres humanos – mesmo que em nível inconsciente, mesmo que não haja palavra ou imagem ainda capaz de simbolizar. A invalidez é uma questão desse tipo. A noção de dependência e o medo de depender do outro – talvez precisando se submeter a ele – nos acompanham em maior ou menor grau. Quando crianças, sabemos que dependemos, mas desejamos a independência. Crescer e ser livres. No entanto, a realidade da vida é a interdependência de todas as coisas. Precisamos do outro. De nossos pais, amigos, filhos, companheiros, colegas. Precisamos do outro coletivo – a cultura – que caminha conosco permitindo-nos construir nossos modos individuais de ser.
Na medida em que reconhecemos que não há uma independência completa, acolhemos melhor o arquétipo do inválido. Aceitamos nossos pequenos e grandes limites, físicos e emocionais. Compreendemos a fragilidade da existência e permitimos que segurem as nossas mãos. Sabemos que adoeceremos, envelheceremos e morreremos. Sentimos a dor de ser frágeis. E finalmente acolhemos a doçura de sermos simplesmente humanos.