A saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
do filho que já morreu
(Chico Buarque – Pedaço de Mim)
Vamos falar de saudade, da dor da partida, do pesar de partir. Morte, distância, medo, tristeza e separação. Falar dos longos tempos no hospital acalentando um irmão. De quando o amor acaba e de quando o filho decide sair. Vamos arrumar o quarto dos que se foram, guardar aquilo que ainda cabe para nós e doar o que não podemos mais reter. Vamos levar flores aos cemitérios e conversar com nossos mortos. Vamos seguir em frente também.
Vamos dizer da dor de perder um filho que não nasceu. Vamos falar das mães que perderam seus filhos pra violência. E vamos falar dos pais. E dos filhos. Vamos falar da dor dos irmãos, amigos, cônjuges, amantes. Vamos nos lembrar de que partir é difícil, mas às vezes é a única escolha possível. Vamos falar do adeus aos nossos amores que não se comunicam como nós: existem amores que latem, amores que miam, amores de tantos ruídos e silêncios de amor.
Vamos chorar e dizer adeus. E encontrar formas de despedida. Vamos deixar que o vento leve as folhas e lave as lágrimas. E vamos nos lembrar também de que o amor valeu. Vamos nos lembrar de cada instante em que oferecemos amor e o recebemos de volta. Vamos perceber as marcas desse amor em nossos corpos. Em nossas mentes. Vamos nos lembrar dos ensinamentos do amor. Amar é também aprender a deixar partir. Talvez seja o aprendizado mais duro do mundo. Mas nossa pele humana, nosso corpo humano, nossa vida humana resiste à dureza do adeus. Nossa fragilidade é potente. Poderosa.
Chorar é deixar fluir a vida em toda sua força. Choremos, pois, de cabeça erguida. Porque soubemos amar. E, se falhamos, falhamos. Sempre haveremos de falhar. Mas nos lembremos hoje do que pudemos doar. Do que ainda podemos doar. Aos que estão. Vivamos o ciclos de vida-e-morte permitindo-nos sentir cada instante. É porque a vida importa que a morte fere. É porque a morte é fato que a vida é mágica.
No dia da saudade, vamos nos permitir o luto. Por cada um de nossos finados.