“De como lidar com…” ou O cuidado com os processos de adoecimento emocional

Há uma variedade de mensagens e textos pelas redes sociais explicando “como lidar com alguém depressivo” ou “como lidar com alguém ansioso”. Com algumas dicas, muitas vezes em listas, todos esses textos fazem um importante apelo: “por favor, não julgue”! Reflito, pois, sobre o que vem acontecendo e o que vem produzindo a necessidade de mensagens assim. O quanto estamos julgando as pessoas pelos seus processos de adoecimento psíquico – ou mesmo períodos não patológicos de luto e tristeza – , como se a melhora dependesse unicamente de simples mudanças de hábito ou da vontade individual? Como se a melhora fosse e tivesse que ser rápida: “sei, sei que você está sofrendo, mas já faz muito tempo, não?” Quem determina o tempo? E qual o tempo de cada um? De tanto correr, o quanto nos atropelamos? De tanto correr, o quanto não olhamos para o outro?

A alquimia do cuidado exige tempo, paciência, compreensão de que por vezes a dor é parte do processo de transformação. Cuidar do outro – e cuidar de si – passa por aceitar também a tristeza, a dor, a angústia, o luto, a raiva, o medo. O acompanhamento psicológico, de grande importância no cuidado de situações de sofrimento emocional, é um processo de respeito ao tempo e aos movimentos. Ao que a palavra traz e ao que ela cala. Num caminhar, ora reto, ora tortuoso, estar em terapia ou em análise é estar em contato consigo e estar disposto a este contato. E esse contato consigo é também um contato com os arredores de si: família, sociedade, momento histórico. Saber-se sozinho e não tão sozinho assim. Singular e múltiplo.

O adoecimento psíquico – a depressão, a ansiedade, o pânico, entre outros processos de sofrimento – dói é no indivíduo, às vezes na carne: porque é um corpo também que sofre. Ainda assim, não pertence somente àquela pessoa. Pergunto-me como pensar o cuidado de forma coletiva, para além de recados-dicas de internet. Os recados me parecem apelos a algo que anda faltando: escuta. Uma escuta que não é só a escuta profissional – e digo isso de um lugar que afirma a importância da escuta profissional -, mas também de outros modos de amor e de afetos, aqueles primordiais, aqueles que acompanham os dias e as horas, aqueles dos encontros cotidianos. “Como lidar com alguém depressivo” – postulamos. “Como lidar com alguém ansioso” – enumeramos. “Por favor, não julgue” – insistimos.

Eu poderia fazer aqui mais uma lista. Com mais apelos. Mas hoje me basta dizer: escute. Sem nem dizer tanto. Escute. Escute o outro e escute a si mesmo. Essas formas de adoecimento, se – naquele instante – doem no indivíduo em sofrimento, permeiam a todos nós o tempo todo. Pelos modos de vida que construímos, pelas formas de trabalho que produzimos, pela lógica de família que insistimos em afirmar como ideal. Pelo respiro que não (nos) permitimos. Que venham, pois, a tristeza, a dor, a angústia, o luto, a raiva, o medo. “Tire seu sorriso do caminho” que a dor precisa de espaço pra passar.

 

IMAGEM: Do filme Divertida Mente, a Alegria e a Tristeza

One thought on ““De como lidar com…” ou O cuidado com os processos de adoecimento emocional

  1. Eu sou fã de seus poemas, da delicadeza das suas palavras , da maneira como toca a emoção de quem é seu leitor !
    Eu sou fã dos seus textos, da sua dedicação com a saúde mental/emocional…
    Como faço qdo desejar compartilhar na minha página?
    Abraço

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