Fato: o mundo carece de maior gentileza. Gentileza é cuidado. Gentileza é ética. Gentileza é saúde. E, no entanto, temos nos esquecido disso. Temos sido hostis no trânsito, nos supermercados, nas ruas e em casa. Temos sido hostis com nossos amores e amigos e com aqueles que nem sequer conhecemos. Temos desaprendido a arte da delicadeza. Quase sem querer, ferimos aqueles que amamos e depois nos arrependemos. Sofremos e, de tanto sofrer, fazemos sofrer. A razão para isso é simples: a dor, se não cuidada, gera mais dor. Espalha-se pelo mundo alucinadamente. A sua dor, quando não encontra espaço de escuta e carinho, machuca o outro. É só você se lembrar das vezes em que, cansado por mais um dia de trabalho, acabou por ser hostil com alguém que aguardava sua ternura ou seu abraço. Acontece. É humano. Acontece, muitas vezes, porque esquecemo-nos de cuidar de nossas próprias dores. O primeiro passo para cuidar bem do outro é cuidar bem de si.
Qual foi a última vez que você fez uma gentileza a si mesmo? Caminhou na praia após o expediente sem qualquer objetivo que não o de sentir a brisa do mar? Deitou-se com seus filhos em um sábado à tarde para rever fotografias antigas? Convidou um amigo para um café? Qual foi a última vez que você preparou sua própria refeição com carinho e cuidado, escolhendo os ingredientes pelo sabor e pela saúde? Qual foi a última vez que você parou para cuidar daquela dorzinha miúda, mas que machuca um pouquinho mais a cada dia? Qual foi a última vez que você errou sem sentir culpa?
Cuidar bem de si mesmo é permitir-se o erro. É ser gentil com as próprias falhas. Apreciar o próprio processo de aprendizado. Temos nos sentido forçados a acertar sempre. Cumprir os prazos. Fazer com perfeição. Trabalhar para o sustento e para os luxos. Jamais adoecer – ou, pelo menos, jamais deixar que a doença atrapalhe as obrigações diárias. Temos nos sentido obrigados a ser mães e pais perfeitos. Maridos e esposas ideais. Funcionários do mês. Empreendedores. Bem-sucedidos. Ricos. Belos. Saudáveis sem precisar de cuidados. Mais do que fortes: imbatíveis. Feito os impossíveis heróis da TV.
De tanto exigir, não notamos nossas pequenas – e relevantes – vitórias do dia-a-dia. Nossas miúdas belezas, nossos delicados encantos. De tanto exigir, esquecemo-nos de ser gentis conosco. E não sabemos mais como ser gentis com os outros. Exigimos de nós e exigimos do outro. Adoecemos da ausência de gentileza. E desaprendemos a trocar carinhos e a cuidar da dor.
Convido você, então, a olhar com carinho para si mesmo. Lembrar-se do que você ama. E de quem você ama. Lembrar-se daquilo que você mais gosta de fazer. Falar da própria tristeza e pedir colo e carinho. Convido você a libertar seu tempo livre. A errar e seguir errante. A mudar de ideia. A abandonar por uns instantes o que é útil e abraçar o que é essencial. Convido você a cuidar de você. A fazer para si mesmo pelo menos uma gentileza por dia. Porque assim você conseguirá espalhar gentileza pelo mundo.
Artigo publicado no Jornal A Gazeta, em 26/10/14.
Foto: Por do sol no altiplano boliviano. Acervo Pessoal.