Reconhecendo seus próprios limites

E então você sofre um acidente e precisa parar de trabalhar por um tempo. Ou então é a própria exaustão que lhe gera uma crise emocional e você demanda um afastamento de suas atividades. Mas você não quer parar. Você tem medo. Medo de perder o reconhecimento, o lugar, a potência. O medo da invalidez – temporária ou permanente – acompanha-nos como o medo da morte, mas não de maneira idêntica. Há quem diga, por exemplo, que não teme tanto a ideia de morrer, mas se angustia com a ideia de ficar dependente e dar trabalho aos outros. Aquilo que nos faz parar, “dar trabalho”, precisar de colo, depender de apoio às vezes parece insuportável. É uma ferida em nossa ideia de perfeição e de potência. É um reconhecimento – muitas vezes doloroso – dos limites da vida.

A doença, no corpo ou na alma, muitas vezes aparece como forma de mostrar o limite. As dores, as ansiedades, as depressões exigem pausas, mais longas ou mais curtas, e fazem com que precisemos pedir ajuda. Não apenas profissional, mas também de familiares e amigos. Nesses casos, aprendemos a formar redes e a reconhecer a importância dos laços. A parar aquilo que sempre nos pareceu natural de fazer e repousar o coração. Continue lendo

“A consciência da natureza feminina começa na profunda valorização e na zelosa devoção ao corpo. Qualquer que seja a sua forma e o seu tamanho, seu corpo é único e, portanto, especial. A maioria das mulheres ainda se deixa prender na teia da propaganda que nasce no mundo do consumismo popular.”

Nancy Qualls-Corbett, em A prostituta Sagrada: a face eterna do feminino

A folia em nós

É Carnaval. Qual a sua fantasia? Ainda que você não caia na folia, vale a pena permitir-se a beleza das tantas máscaras que nos envolvem. Tendemos a demonizar as máscaras: costumamos dizer que “a máscara caiu” quando alguém revela de si algo desconhecido – uma faceta menos doce ou agradável. Mas não usamos máscaras o tempo inteiro? Não nos fantasiamos, afinal, dos inúmeros papéis que ocupamos na sociedade? As máscaras são nossas inúmeras peles. É preciso ser um pouco camaleão. É preciso ter um pouco de réptil e trocar de pele de vez em quando. Hoje, talvez, você queira ser bicho-preguiça e passar a tarde inteira na rede. Amanhã no mar. Se lhe foi oferecido tempo livre, você pode aproveitar as maravilhas do feriado sendo bruxa, fada, demônio ou guerreiro. Você pode dançar o Carnaval até tarde e se permitir um amor sem compromisso – sempre com o consentimento das partes e com camisinha, vale lembrar. Porque o autocuidado e o cuidado do outro cabem em qualquer fantasia.

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A arte de contar histórias

A arte de contar histórias – histórias de fadas, bruxas, princesas e heróis – é de longuíssima data e tem ajudado os povos a lidar com seus monstros e com suas jornadas mais intensas. Lidar com a realidade nem sempre é fácil. Compreender as exigências do mundo real é útil para que possamos trabalhar, pagar as contas, cumprir as tarefas cotidiana. Mas a cultura é o que nos alimenta: é o que nos permite ser. Como diz Manoel de Barros:

Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

Reinventar a infância em nós a cada dia é nos permitir ser deveras humanos. É saber que desde pequenos a imaginação é nosso guia. Se perdemos a mão demais e caímos profundamente no mundo da imaginação, podemos ser tomados pela loucura – ou por uma infância eterna. Porém, se, por outro lado, erramos a mão e travamos os pés numa realidade árida, neurotizamos e também adoecemos. Então já não sabemos ser outros, já não sabemos desenhar ou cantar a nossa ansiedade e ela grita em nosso corpo. Ou a depressão nos derruba na cama. Por excesso de cobrança, definhamos de realidade. Sem o mágico, não reconhecemos os monstros e as bruxas e não sabemos como lutar com ou contra eles.

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Finitude

De onde viemos? Para onde vamos? Qual será o derradeiro dia de nosso adeus? Como será quando perdermos quem amamos? Existe cura para o luto? Conseguimos nos esquecer daqueles que morreram? O que nos resta de quem partiu? O tema da morte nunca é brando. Sempre rodeado de afetos – muitas vezes tristeza, medo, angústia -, o reconhecimento de nossa finitude não é algo simples. Especialmente hoje, em que a ciência médica se desenvolveu de tal modo que pode prolongar a vida ao máximo através de medicamentos, tratamentos cada vez menos invasivos e tecnologias cada vez mais complexas. Afastamo-nos, pois, cada vez mais da morte. E, talvez por isso, ela acaba por se tornar cada vez mais assustadora.

Para tratar da finitude, de temas como a doença, a morte, a perda e o luto, recomendo um livro de extrema delicadeza: “A morte é um dia que vale a pena viver”, de Ana Claudia Quintana Arantes. A autora, médica geriatra e gerontologista, trabalha há anos com cuidados paliativos. Com doçura e simplicidade, convida-nos a pensar a morte a partir da própria vida. Ao falar de pacientes terminais, ela afirma: “O desafio de fazer uma pessoa se sentir viva não é negar o processo de morte dela. Então, se desejamos estar presentes, seja trabalhando, seja vivenciando a morte de uma pessoa que amamos muito, os primeiros desafios são estes: saber quem somos, o que estamos fazendo ali e como faremos para aquele processo seja o menos doloroso possível”. Continue lendo

A doença, quando chega, traz consigo a ideia da inevitabilidade da morte e a fantasia do corpo sem vida. Ao pensarmos no entorpecimento inerte da morte, nos damos conta de que, em todo lugar, ao nosso redor e dentro de nós, acontece o surpreendente milagre da vida.”  

Albert Kreinheder, no livro Conversando com a doença: Um diálogo de corpo e alma

Por que Fazer Terapia?

 

As razões para se buscar terapia são muitas, mas o principal é que haja vontade por parte do paciente. Vontade de pensar acerca de suas próprias questões e buscar transformações em sua vida. O espaço da terapia é um espaço para que o paciente exponha e trabalhe suas diversas questões e tenha, por parte do terapeuta, uma escuta qualificada e atenta. É nesse processo que as importantes transformações podem se dar, na medida em que o paciente, com auxílio do terapeuta, constrói novos caminhos para a sua vida.

A terapia é um trabalho de constante construção e desconstrução: é uma reconstrução da história pessoal e familiar e uma produção de novas histórias. Histórias que expandem a realidade individual e familiar, que tocam o fundo ao redor e produzem mudanças – por vezes discretas, outras vezes profundas. Aquele que busca fazer terapia pode estar passando por momento de intensa angústia, por alguma situação crítica na vida ou apenas buscando um espaço para elaborar melhor suas questões cotidianas. O importante é que ele encontre na terapia um bom espaço de fala, em que se sinta seguro para trazer o que tem de mais profundo.

Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo. Hermann Hesse