Finados

A saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

do filho que já morreu

(Chico Buarque – Pedaço de Mim)

 

Vamos falar de saudade, da dor da partida, do pesar de partir. Morte, distância, medo, tristeza e separação. Falar dos longos tempos no hospital acalentando um irmão. De quando o amor acaba e de quando o filho decide sair. Vamos arrumar o quarto dos que se foram, guardar aquilo que ainda cabe para nós e doar o que não podemos mais reter. Vamos levar flores aos cemitérios e conversar com nossos mortos. Vamos seguir em frente também.

Vamos dizer da dor de perder um filho que não nasceu. Vamos falar das mães que perderam seus filhos pra violência. E vamos falar dos pais. E dos filhos. Vamos falar da dor dos irmãos, amigos, cônjuges, amantes. Vamos nos lembrar de que partir é difícil, mas às vezes é a única escolha possível. Vamos falar do adeus aos nossos amores que não se comunicam como nós: existem amores que latem, amores que miam, amores de tantos ruídos e silêncios de amor. Continue lendo

Produzir sentidos: um jeito de ser o que se é

É possível – e comum – nos dias atuais que sejamos tomados por um vazio de sentido. Ansiosos ou deprimidos, tomados pelo medo da perda de um emprego ou de alguém amado, sufocados por questões de trabalho ou financeiras, dominados por um tempo que não nos permite respiros ou mergulhados no nada do tempo sem desejo, perguntamo-nos: o que pode produzir sentido em nossas vidas? Talvez a resposta para isso esteja sempre em construção: ela está exatamente onde se para o pensamento e se dá início à ação – mesmo que a ação seja a produção de novos pensamentos, como quando começamos um curso diferentes ou produzimos um artigo.

Produzir sentidos é dar pequenos passos rumo ao que se é. Por isso, frequentemente vejo como é bonito quando alguém que há muito tempo não conseguia sair de casa acaba por marcar um café com uma amiga. Parece algo simples, mas é ação. Ação poderosa rumo ao que se é. Essa pessoa restabelece laços, mais do que com a amiga: ela os recria consigo mesma. Da mesma forma, iniciar uma dança, uma caminhada, um bailar rumo ao trabalho de outra forma: tudo isso pode produzir novos sentidos no trajeto. Escrever um poema, ouvir uma música, tocar um instrumento. Vestir-se de modo diferente – mesmo que sutil – e admirar-se no espelho. Continue lendo

Outubro Rosa: lidando com a vida

 

 

Campanhas de saúde mensais, com suas cores marcantes e seus dizeres fundamentais, são importantes para alertar sobre questões importantes na sociedade: discutir prevenção, cuidado, formas de auxílio profissional. No caso do Outubro Rosa, falamos da importância da detecção precoce do câncer de mama e da importância do cuidado à saúde de pessoas com câncer.

Prevenir e cuidar. Acolher e respeitar.

Como psicóloga, aproveito este mês para tratar de uma questão que considero fundamental: como lidar com a descoberta da doença e com o período de tratamento? Antes de trazer uma resposta pronta, já digo que é o sentimento de cada pessoa que dará conta do momento: não há uma verdade simples e definitiva. Receber o diagnóstico de um câncer é diferente para cada um. E lidar com o diagnóstico é lidar com a vida ou, de outro modo, com o novo que a vida traz. Continue lendo

Sobre o mês amarelo: prevenção ao suicídio

A você que pensa em partir, peço que respire. Mais uns segundos. Não é que a vida seja sempre seja bela. Também não são sempre doces os sonhos. Pensar em partir, sumir e morrer é algo possível a todos nós em algumas circunstâncias da existência: é humano. Toda a vida pulsa e às vezes pulsa em dor. Por isso é preciso que, diante desses pensamentos e sentimentos sobre morte, saibamos como pedir ajuda: como dizer em voz alta essa sensação que é tão humana como tantas outras sensações.

Por isso eu peço que respire. Fundo. Aqui comigo. 1, 2, 3. Pra dar tempo de conversar com o pensamento. Pra dar tempo de pensar um outro pensamento. Pegar o telefone e pedir ajuda. Abrir o seu caderno e rascunhar o abismo. Ontem era primavera. Houve um instante, não houve? Sempre há. Da sua beleza, da sua alegria, a sua abundância. Você em carne, sangu e talvez espírito. Não sei. Depende daquilo em que você acredita. Mas sabedoria, sim. Carne, osso e sabedoria. Eu sei, eu sei, a sabedoria pode machucar. Às vezes. Outras vezes é um alívio. Saber que amanhã pode ser diferente. Que existe a música. Que a comida tem aquele sabor especial: tempero verde. Chocolate.  Continue lendo

Carta aos jovens: como lidar com um amigo em sofrimento

Este texto é especialmente dedicado a adolescentes e jovens, mas espero que possa ajudar também qualquer pessoa que tenha um familiar ou amigo que possa estar passando por depressão, ansiedade ou ideações suicidas. Não pretendo apresentar uma fórmula pronta – elas não existem – mas convidar ao diálogo.

Querido jovem,

Nos últimos tempos o seriado “13 Reasons Why” (Os 13 porquês) vem fazendo sucesso especialmente entre adolescentes. Ele conta a história de Hannah Baker, uma adolescente que passou por várias situações de bullying, assédio, machismo e violência sexual até chegar ao ponto de cometer suicídio. Ela, então, grava fitas contando quais foram as 13 razões que a levaram a tal ato. O seriado está na segunda temporada, que ainda não assisti. Sobre a primeira temporada, fiz muitas reflexões, inclusive com amigos de profissão, e hoje posso dizer que vejo dois problemas muito fortes: Continue lendo

Da ânsia de viver e da ansiedade dos dias

O coração acelera. Você sente um leve tremor. Vem um frio na barriga. O novo se aproxima. Instigante, incerto, misterioso. Medo e desejo se misturam. Tudo aperta. A vida aperta. E solta. A ânsia de viver provoca o corpo e atiça a mente. Tudo o que é novo produz movimento. E, por vezes, um pouco de dor. Um pouco de balanço. Um pouco de anseio. Um pouco de amor.

Imaginemos agora um outro cenário.

O coração acelera. Você treme. O corpo treme. As pernas, as mãos, por dentro e por fora. A vontade é de parar para sempre. Ou de sair correndo. Vem um frio na barriga. Uma secura na boca. O novo se aproxima. Ou o antigo parece se repetir: você sente que é a mesma dor de antes. Ou não sabe ao certo o que está por vir. Você apenas percebe seus pensamentos acelerados. Perturbados. A antecipação de uma tragédia. Sabe-se lá qual. Nem sempre se sabe do que é que se tem tanto medo. Instala-se a ansiedade. Continue lendo

18 de maio é dia de recordar

18 de maio é dia de recordar: existem histórias que não podem ser esquecidas. Histórias que marcam feito ferida profunda: uma ferida social que, se não nos atentarmos, seguirá em repetição. Sim, o que o que vou escrever agora vai doer. E deve doer. Araceli Cabrera Crespo tinha 8 anos quando foi sequestrada, drogada, espancada, estuprada e morta em 18 de maio de 1973. Os criminosos foram absolvidos. E a memória de Araceli marca o dia 18 de maio como o Dia Nacional do Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A memória que não é apenas a memória de Araceli: é a memória de cada criança e adolescente que sofre abuso e vivencia exploração sexual. Cada criança ou adolescente que tem sua voz silenciada, suas potências dilaceradas; cada criança ou adolescente que, depois de crescida, guarda marcas de uma voz que não saiu.

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