Um amor para toda a vida?

Os desenhos da Disney ensinam: há um único amor de nossas vidas. Esse amor perfeito de gente perfeita e linda, que nasce em bailes suntuosos e arrebata para a eternidade.

Os seriados modernos já tentam ser mais realistas. Existe um que todo mundo adora – não vou colocar o nome pra vocês não brigarem comigo – em que o rapaz passou anos apaixonado por uma e depois se casou com outra.

Então as pessoas passaram a usar essa máxima: “Existe o ‘amor da sua vida’ e o ‘amor para sua vida’…”

Ao que parece, o “amor da vida” é aquele amor arrebatador e eterno, que não esmorece nem por um segundo. Um amor perfeito.

E o “amor para a vida” é o amor conformado, é com quem a pessoa decide ficar e se aconchegar. Porque o grande amor, aquele mais importante, era impossível.

As pessoas acham isso lindo. Eu acho deprimente.

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Conexões

Em tempos de afastamento social – isolamento ou quarentena, como você quiser chamar -, somos mais do que nunca convocados a buscar formas de conexão com o mundo, com as pessoas, com nós mesmos. Se antes conectar-se parecia algo a se fazer para daqui alguns dias – “que marquemos um café na próxima semana” -, hoje, muitos de nós sentimos falta do simples encontrar os pais, os filhos, os netos, os avós, os amigos, os namorados. Como num estranho apocalipse dos afetos, nos sentimos perdidos: além do medo da morte, já vivemos um luto da vida que vivíamos antes.

O luto machuca, dá raiva, dá vontade de gritar, faz chorar ou produz aquele silêncio inexplicável carregado de inquietude. E o que fazer com a inquietude do luto, a saudade de nós mesmos?

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O amor em tempos de pandemia

Não. Não há nada de belo ou romântico no período em que vivemos, quando a pandemia do COVID-19 se alastra pelo mundo e pelo nosso país. Tememos por nós, pelos nossos e pelos outros. Nunca se pensou que ficar em casa poderia ser tão devastador para algumas pessoas – mesmo as que curtem um pouco de reclusão, introspecção, leitura e atividades solitárias. Acontece que essa reclusão é acompanhada de medo e as notícias vêm por todos os lados. E nós precisamos acompanhar as notícias confiáveis e seguir as orientações. Ficar em casa, fazer a higienização das mãos constantemente, evitar visitas a idosos e a pessoas imunodeprimidas, evitar o contato físico.

Há caos e medo em meio à pandemia. Porém há amor em meio ao caos e o medo. Se choramos pelos italianos, é porque ainda amamos. Apressemo-nos a cuidar dos nossos. Há pessoas que estão dispensando profissionais sem vínculo empregatício e pagando o valor correspondente ao serviço prestado. Os nossos não são apenas nossos familiares, mas toda a comunidade ao redor. Os nossos somos todos. Alguns mais ou menos privilegiados neste período de quarentena. Há quem possa ficar em casa e há quem ainda precise trabalhar. Continue lendo

Relacionamento abusivo: o amor não é bom se doer

Ele não batia nela, mas costumava dizer que era o único no mundo capaz de suportar suas crises e manhas. Ela tomava antidepressivos e se identificava com o monstro da depressão, sem se dar conta de que o companheiro – que se dizia seu maior cuidador – era o maior algoz.

Ele não batia nela, mas criticava seu corpo. Dizia que se fosse mais magra, que se usasse calcinhas mais novas, que se cuidasse mais do corpo ele não precisaria procurar outras. Ele queria um relacionamento aberto. Só para ele.

Ele não batia nela, mas exigia que ela usasse as roupas que ele escolhia. Nada de saia curta, nada de maquiagem forte, nada de decote. Ele tinha um ciúme forte que chamava de amor. E, certa vez, ele segurou forte no pulso dela e gritou alto. Mas não, ele não batia nela. Continue lendo

Dia internacional da luta das mulheres

“Você pode me fuzilar com suas palavras, Você pode me inscrever na História
Com as mentiras amargas que contar,
Você pode me arrastar no pó
Mas ainda assim, como o pó, eu vou me levantar.
Minha elegância o perturba?
Por que você afunda no pesar?
Porque eu ando como se eu tivesse poços de petróleo
Jorrando em minha sala de estar.
Assim como lua e o sol,
Com a certeza das ondas do mar
Como se ergue a esperança
Ainda assim, vou me levantar
Você queria me ver abatida?
Cabeça baixa, olhar caído?
Ombros curvados com lágrimas
Com a alma a gritar enfraquecida?
Minha altivez o ofende?
Não leve isso tão a mal,
Porque eu rio como se eu tivesse
Minas de ouro no meu quintal.

Maya Angelou

Começo este texto trazendo um trecho de uma poesia de Maya Angelou intitulada “Ainda asssim eu me levanto” ( “Still I Rise”). Aproveito para trazer uma breve história dessa escritora que me cativou e que me foi apresentada por uma paciente querida. Maya Angelou é o pseudônimo de Margherite Ann Johnson, escritora negra nascida nos Estados Unidos em 04 de abril de 1928. Sensível e poderosa, Maya sofreu abuso sexual na infância, além de diversas outras dores – muitas advindas do racismo -, tudo isso relatado na maravilhosa obra autobiográfica “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”. Como um pássaro que nunca deixou de cantar, apesar dos aprisionamentos que lhe eram impostos, Maya lutou por direitos e nos traz uma esperança: é possível viver e seguir em frente, numa luta coletiva e feminina, uma luta que inclua mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres lésbicas, bissexuais,  mulheres trans. Uma luta que inclua todas as mulheres. Continue lendo

Sobre estar pronto

Você muitas vezes pode querer esperar estar pronto para começar. Ou para recomeçar. Para colocar um fim. Para tomar aquela decisão importante que poderá dar uma volta misteriosa em sua vida. Uma volta rumo a não sei onde. Rumo a estradas tortuosas, mas desejadas. Você muitas vezes pode querer esperar estar pronto para o desejo. Ou para dar partida ao desejo. Entendo o cuidado. É compreensível que se tenha cautela diante de escolhas e mudanças. Afinal, a vida é delicada. Um fio de doçura. É fundamental no entanto, saber também que toda transformação só se dá na caminhada. No riscar dos passos. No arriscar do destino. No lançar-se à loucura das possibilidades. Afinal, a vida é potente. Um tronco de força.

Nunca se está deveras pronto para começar. Para recomeçar. Ou para colocar um fim. Fazer uma escolha é sempre escolher uma morte e um parto. E são dois momentos difíceis que experienciamos diversas vezes ao longo de nossa existência. Nascemos e morremos a cada escolha. Deixamos para trás peças que não nos servem mais, mas que deixam pontadas de saudades do que poderíamos ter sido. Saltamos rumo o desconhecido em nós, ávidos de amor e pálidos de medo. Mas saltar é preciso. Necessário. Urgente. Continue lendo

Medo de dar certo

É quase natural pensarmos sobre o medo que sentimos das coisas que podem dar errado. De não se dar bem em uma prova ou de não passar naquela entrevista de emprego. De não conseguir um amor, de amar errado, de não sermos bons pais ou boas mães. De não termos sustento, sucesso, glória, visibilidade. De sofrermos um acidente, de adoecermos, de perdermos alguém querido, de morrermos. O medo da nossa própria morte e da morte daquilo que tanto desejamos é natural e conhecido. Sabemos dele. Reconhecemos. Trememos diante dele. E conseguimos falar dele.

Existe, porém, um outro medo, irmão gêmeo deste, que talvez nos seja difícil conhecer – ou reconhecer. É o aterrorizante medo de que as coisas possam dar certo. Você já se pegou travando diante de uma situação aparentemente boa? Já sentiu seu corpo tremendo quando tudo parecia um mar suave e calmo? Já teve a sensação de que de repente a alegria em excesso seria demais para você e que seria melhor parar por aí? Você já teve medo de seguir adiante em algum plano ou sonho? Continue lendo

Das tramas da ansiedade

Não é o mesmo que estar preocupado com uma prova que ocorrerá no final de semana. Não é o mesmo que um friozinho na barriga antes de um acontecimento delicioso. Não é o mesmo que estar ansioso com algo específico e depois passar. É mais como se houvesse uma prova gigantesca a cada dia, a cada hora, a cada instante. As tramas da ansiedade colocam você em um estado de constante alerta. E o corpo fica também alerta. O peito aperta, as pernas tremem, a respiração falha. Às vezes ocorre uma crise de pânico, sensação das mais assustadoras. E você tem ânsia de viver mas parece estar sempre à beira de um abismo. E todos os pensamentos de todas as tragédias possíveis fazem sua mente agitar e seu coração saltitar. E então você não consegue explicar aos seus amigos o motivo de não conseguir ir à sessão de cinema marcada há dias. “É que hoje não dá”. – e seu coração aperta. E você não consegue explicar aos famíliares o porquê de precisar sair para tomar um ar no almoço de domingo. E você está suando mesmo estando frio. E você pede ao seu companheiro ou à sua companheira que lhe abrace e conte a respiração com você. E às vezes ele ou ela não entende. Talvez você já faça uso de medicações para ansiedade. É importante que, se o fizer, faça com acompanhamento médico. Talvez você já faça terapia. E esteja trabalhando isso. Continue lendo

Se você tem depressão…

De acordo com informações da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) em 2018, estima-se que em todo o mundo 300 milhões de pessoas sofram de depressão. O transtorno é a principal causa de incapacidade em todo o mundo e contribui de forma importante para a carga global de doenças. A depressão é determinada por uma interação de fatores psicológicos, sociais e biológicos, sendo uma condição que demanda suporte de profissionais de saúde mental e de uma boa rede social de apoio para a pessoa que sofre.

Se você recebeu o diagnóstico de depressão ou apresenta sintomas como humor deprimido, perda de interesse em atividades que lhe costumavam parecer simples, perda de energia e redução do prazer no cotidiano, diminuição geral no desempenho nas atividades do dia-a-dia, desejo de morrer ou pensamentos de tirar a própria vida, saiba que você não está só. E não se culpe. Se você tem depressão, a primeira coisa a fazer é não se culpar. Antes, respeite e escute o seu corpo para saber como pedir ajuda. Sempre há alguém com quem conversar. Se você tem depressão, não faça silêncio. Fale. Conte a um familiar, a um amigo. Se você for adolescente, pode procurar o orientador de sua escola. Peça ajuda para procurar apoio profissional se você não conseguir fazer sozinho. Mas procure apoio profissional. Continue lendo

De partida

Despedimo-nos de nós mesmos todos os dias um pouquinho. Porque a cada instante que passa não somos exatamente os mesmos. Porque vivemos em constante transformação. Despedimo-nos de nós mesmos sempre. Mas especialmente em momentos de mudanças que são importantes para nós. Quando dizemos adeus a roupagens antigas. A adjetivos que não nos cabem mais. A pessoas e situações que faziam parte de nossas vidas.

Estamos sempre de partida para um novo ponto de chegada. Na maior parte das vezes, não temos a menor ideia de que ponto é esse. Outras vezes, podemos até tentar adivinhá-lo, mas teremos inevitáveis surpresas pelo caminho. Pois que navegamos para horizontes incertos. E a graça é isso. O filho que vai chegar. O curso que vai começar. O novo lugar para morar. O primeiro emprego. O novo emprego. O término de um contrato de trabalho. O fim de um relacionamento amoroso. O início de um novo. O saber estar sem um relacionamento. Horizontes incertos: as perdas. As saudades. Aquele adeus que não foi possível dizer. Aquele adeus dito e repetido mil vezes até encontrar a forma mais adequada de expressar. Aquela confissão que andava no fundo na garganta. Sobre se permitir ser quem se é. Horizontes incertos: um reencontro. Um novo encontro. O fim de um ciclo de dor. O reconhecer-se no espelho como uma figura completamente diferente: e, de repente, você nasce outra vez. Continue lendo