O tempo é um senhor muito sábio. o grande mestre da cura. Ele nos faz atentar para o fato de que, no que se refere aos nossos modos se sentir e vivenciar a realidade, nem o “para sempre” nem o “nunca mais” podem ser pensados de forma rígida. Em constante movimento, a vida mostra que aquela dor não será eterna – assim como também não o será a alegria dos bons momentos. Continue lendo
Artigos
O papel da psicologia na luta contra o câncer
Em outubro de 2015 concedi ao CRP do Espírito Santo a entrevista abaixo, que fala um pouco do papel do psicólogo no tratamento de pacientes com câncer, assim como minha experiência pessoal no seu atendimento diário. A publicação original pode ser encontrada aqui. O texto é do jornalista Luciano Coelho. Continue lendo
“A terapia tem por objetivo reforçar a consciência.” Carl Gustav Jung
É permitido chorar
Eu vou falar dela, mas não é fácil. Ela, que nos dá a compreensão do pôr-do-sol e de tantos outros adeuses, é quase proibida. É quase errado dizer o nome dela em voz alta: tristeza. Ela é aquela coisa que existe na poesia e nas letras de música, naquele samba de saudade e naquele filme bonito e cheio de amor. Mas em nós, não: em nós ela não pode existir. Quando algo doloroso nos ocorre, somos convocados erguer a cabeça, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Assim, sorrindo. Porque somos fortes. Porque não podemos sucumbir à dor.
Atendendo pacientes em tratamento de câncer, escuto tantas vezes a estranha associação entre “ser forte” e “não chorar” ou “não ficar triste”. Como se só no riso aberto residisse a força. Muitas vezes é um familiar ou amigo, cheio de intenções amorosas, que faz tais exigências: “você precisa ser forte, precisa manter um sorriso no rosto, o câncer não vai te derrubar – e deixa quieto que o cabelo depois nasce – e, se você ficar triste, pode ser ruim para o tratamento ”. Cada um de nós pode estar nesse lugar de exigir do outro ou de si mesmo o impossível: uma força que não contempla a fragilidade da vida, do tempo, dos dias. Uma força que não permite a lágrima, o pedido de um colo, a lembrança de um samba, a saudade de um ontem, o desejo de um nunca.
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“Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo.” Hermann Hesse
O mito da mãe perfeita
Você provavelmente a conhece. Você talvez tenha algo dela. Essa cuidadora incansável, admirada pela generosidade sem fim e pela capacidade de resolver todos os problemas que aparecem. Ela mantém a casa limpa, organiza as despesas do lar e cuida das crianças, dos idosos e dos doentes da família. Oferece o ombro, os braços, a alma. E, de quebra, é inteligente e trabalha várias horas por dia. Busca crescimento profissional. E precisa ser bela. Cuida da alimentação – dela e dos outros – com um carinho incontestável. É exigido também que se exercite, não pelo prazer, mas pela forma. Raramente tem tempo para alegrias deliciosas e inúteis. E toda essa abnegação é continuamente elogiada por aqueles que a rodeiam. Chamam-na super mulher. Dizem que sem ela seria impossível viver. Prestam-lhe singelas homenagens no dia das mães e no dia da mulher. Compram-lhe flores, escrevem-lhe cartões e aguardam o almoço de domingo – feito por ela. Enaltecem-na. Como se fosse uma deusa. Como se fosse uma santa. Como se não fosse humana. E nem percebem – ou será que percebem? – que ela está encarcerada. Pela perfeição que lhe é atribuída a todo instante.
“O principal objetivo da terapia psicológica, não é transportar o paciente para um impossível estado de felicidade, mas sim ajudá-lo a adquirir firmeza e paciência diante do sofrimento. A vida acontece num equilíbrio entre a alegria e a dor.” Carl Gustav Jung
Cuidar-se
Fato: o mundo carece de maior gentileza. Gentileza é cuidado. Gentileza é ética. Gentileza é saúde. E, no entanto, temos nos esquecido disso. Temos sido hostis no trânsito, nos supermercados, nas ruas e em casa. Temos sido hostis com nossos amores e amigos e com aqueles que nem sequer conhecemos. Temos desaprendido a arte da delicadeza. Quase sem querer, ferimos aqueles que amamos e depois nos arrependemos. Sofremos e, de tanto sofrer, fazemos sofrer. A razão para isso é simples: a dor, se não cuidada, gera mais dor. Espalha-se pelo mundo alucinadamente. A sua dor, quando não encontra espaço de escuta e carinho, machuca o outro. É só você se lembrar das vezes em que, cansado por mais um dia de trabalho, acabou por ser hostil com alguém que aguardava sua ternura ou seu abraço. Acontece. É humano. Acontece, muitas vezes, porque esquecemo-nos de cuidar de nossas próprias dores. O primeiro passo para cuidar bem do outro é cuidar bem de si.