Não é o mesmo que estar preocupado com uma prova que ocorrerá no final de semana. Não é o mesmo que um friozinho na barriga antes de um acontecimento delicioso. Não é o mesmo que estar ansioso com algo específico e depois passar. É mais como se houvesse uma prova gigantesca a cada dia, a cada hora, a cada instante. As tramas da ansiedade colocam você em um estado de constante alerta. E o corpo fica também alerta. O peito aperta, as pernas tremem, a respiração falha. Às vezes ocorre uma crise de pânico, sensação das mais assustadoras. E você tem ânsia de viver mas parece estar sempre à beira de um abismo. E todos os pensamentos de todas as tragédias possíveis fazem sua mente agitar e seu coração saltitar. E então você não consegue explicar aos seus amigos o motivo de não conseguir ir à sessão de cinema marcada há dias. “É que hoje não dá”. – e seu coração aperta. E você não consegue explicar aos famíliares o porquê de precisar sair para tomar um ar no almoço de domingo. E você está suando mesmo estando frio. E você pede ao seu companheiro ou à sua companheira que lhe abrace e conte a respiração com você. E às vezes ele ou ela não entende. Talvez você já faça uso de medicações para ansiedade. É importante que, se o fizer, faça com acompanhamento médico. Talvez você já faça terapia. E esteja trabalhando isso. Continue lendo
Artigos
Se você tem depressão…
De acordo com informações da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) em 2018, estima-se que em todo o mundo 300 milhões de pessoas sofram de depressão. O transtorno é a principal causa de incapacidade em todo o mundo e contribui de forma importante para a carga global de doenças. A depressão é determinada por uma interação de fatores psicológicos, sociais e biológicos, sendo uma condição que demanda suporte de profissionais de saúde mental e de uma boa rede social de apoio para a pessoa que sofre.
Se você recebeu o diagnóstico de depressão ou apresenta sintomas como humor deprimido, perda de interesse em atividades que lhe costumavam parecer simples, perda de energia e redução do prazer no cotidiano, diminuição geral no desempenho nas atividades do dia-a-dia, desejo de morrer ou pensamentos de tirar a própria vida, saiba que você não está só. E não se culpe. Se você tem depressão, a primeira coisa a fazer é não se culpar. Antes, respeite e escute o seu corpo para saber como pedir ajuda. Sempre há alguém com quem conversar. Se você tem depressão, não faça silêncio. Fale. Conte a um familiar, a um amigo. Se você for adolescente, pode procurar o orientador de sua escola. Peça ajuda para procurar apoio profissional se você não conseguir fazer sozinho. Mas procure apoio profissional. Continue lendo
De partida
Despedimo-nos de nós mesmos todos os dias um pouquinho. Porque a cada instante que passa não somos exatamente os mesmos. Porque vivemos em constante transformação. Despedimo-nos de nós mesmos sempre. Mas especialmente em momentos de mudanças que são importantes para nós. Quando dizemos adeus a roupagens antigas. A adjetivos que não nos cabem mais. A pessoas e situações que faziam parte de nossas vidas.
Estamos sempre de partida para um novo ponto de chegada. Na maior parte das vezes, não temos a menor ideia de que ponto é esse. Outras vezes, podemos até tentar adivinhá-lo, mas teremos inevitáveis surpresas pelo caminho. Pois que navegamos para horizontes incertos. E a graça é isso. O filho que vai chegar. O curso que vai começar. O novo lugar para morar. O primeiro emprego. O novo emprego. O término de um contrato de trabalho. O fim de um relacionamento amoroso. O início de um novo. O saber estar sem um relacionamento. Horizontes incertos: as perdas. As saudades. Aquele adeus que não foi possível dizer. Aquele adeus dito e repetido mil vezes até encontrar a forma mais adequada de expressar. Aquela confissão que andava no fundo na garganta. Sobre se permitir ser quem se é. Horizontes incertos: um reencontro. Um novo encontro. O fim de um ciclo de dor. O reconhecer-se no espelho como uma figura completamente diferente: e, de repente, você nasce outra vez. Continue lendo
Dezembro
Chega dezembro, período de festas – ainda que não haja festa em todas as partes, ainda que se vistam de sombras alguns lares. Chega dezembro. Tempo em que muitas e muitas pessoas repensam o ano, os erros e os acertos. E se propõem a renovações. Surgem então as listas de promessas de ano novo: ser mais saudável, encontrar um amor, perder peso, mudar de emprego, iniciar um novo curso, começar uma faculdade, juntar dinheiro. Corresponder a padrões preestabelecidos. Ou romper com todos os padrões do mundo. Viajar mais. Brigar menos. Ser mais feliz.
Chega dezembro, período de festas – ainda que não haja festa em todas as partes, ainda que se vistam de sombras alguns lares. E é porque não há festa em todas as partes e porque alguns lares se vestem de sombra que convido-os aqui a reflexões. O período de fartura para alguns é momento de fome para outros. O momento de renovação e promessas para uma pessoa é período de adeus e de luto para outra Continue lendo
Finados
A saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
do filho que já morreu
(Chico Buarque – Pedaço de Mim)
Vamos falar de saudade, da dor da partida, do pesar de partir. Morte, distância, medo, tristeza e separação. Falar dos longos tempos no hospital acalentando um irmão. De quando o amor acaba e de quando o filho decide sair. Vamos arrumar o quarto dos que se foram, guardar aquilo que ainda cabe para nós e doar o que não podemos mais reter. Vamos levar flores aos cemitérios e conversar com nossos mortos. Vamos seguir em frente também.
Vamos dizer da dor de perder um filho que não nasceu. Vamos falar das mães que perderam seus filhos pra violência. E vamos falar dos pais. E dos filhos. Vamos falar da dor dos irmãos, amigos, cônjuges, amantes. Vamos nos lembrar de que partir é difícil, mas às vezes é a única escolha possível. Vamos falar do adeus aos nossos amores que não se comunicam como nós: existem amores que latem, amores que miam, amores de tantos ruídos e silêncios de amor. Continue lendo
Produzir sentidos: um jeito de ser o que se é
É possível – e comum – nos dias atuais que sejamos tomados por um vazio de sentido. Ansiosos ou deprimidos, tomados pelo medo da perda de um emprego ou de alguém amado, sufocados por questões de trabalho ou financeiras, dominados por um tempo que não nos permite respiros ou mergulhados no nada do tempo sem desejo, perguntamo-nos: o que pode produzir sentido em nossas vidas? Talvez a resposta para isso esteja sempre em construção: ela está exatamente onde se para o pensamento e se dá início à ação – mesmo que a ação seja a produção de novos pensamentos, como quando começamos um curso diferentes ou produzimos um artigo.
Produzir sentidos é dar pequenos passos rumo ao que se é. Por isso, frequentemente vejo como é bonito quando alguém que há muito tempo não conseguia sair de casa acaba por marcar um café com uma amiga. Parece algo simples, mas é ação. Ação poderosa rumo ao que se é. Essa pessoa restabelece laços, mais do que com a amiga: ela os recria consigo mesma. Da mesma forma, iniciar uma dança, uma caminhada, um bailar rumo ao trabalho de outra forma: tudo isso pode produzir novos sentidos no trajeto. Escrever um poema, ouvir uma música, tocar um instrumento. Vestir-se de modo diferente – mesmo que sutil – e admirar-se no espelho. Continue lendo
Outubro Rosa: lidando com a vida
Campanhas de saúde mensais, com suas cores marcantes e seus dizeres fundamentais, são importantes para alertar sobre questões importantes na sociedade: discutir prevenção, cuidado, formas de auxílio profissional. No caso do Outubro Rosa, falamos da importância da detecção precoce do câncer de mama e da importância do cuidado à saúde de pessoas com câncer.
Prevenir e cuidar. Acolher e respeitar.
Como psicóloga, aproveito este mês para tratar de uma questão que considero fundamental: como lidar com a descoberta da doença e com o período de tratamento? Antes de trazer uma resposta pronta, já digo que é o sentimento de cada pessoa que dará conta do momento: não há uma verdade simples e definitiva. Receber o diagnóstico de um câncer é diferente para cada um. E lidar com o diagnóstico é lidar com a vida ou, de outro modo, com o novo que a vida traz. Continue lendo
Sobre o mês amarelo: prevenção ao suicídio
A você que pensa em partir, peço que respire. Mais uns segundos. Não é que a vida seja sempre seja bela. Também não são sempre doces os sonhos. Pensar em partir, sumir e morrer é algo possível a todos nós em algumas circunstâncias da existência: é humano. Toda a vida pulsa e às vezes pulsa em dor. Por isso é preciso que, diante desses pensamentos e sentimentos sobre morte, saibamos como pedir ajuda: como dizer em voz alta essa sensação que é tão humana como tantas outras sensações.
Por isso eu peço que respire. Fundo. Aqui comigo. 1, 2, 3. Pra dar tempo de conversar com o pensamento. Pra dar tempo de pensar um outro pensamento. Pegar o telefone e pedir ajuda. Abrir o seu caderno e rascunhar o abismo. Ontem era primavera. Houve um instante, não houve? Sempre há. Da sua beleza, da sua alegria, a sua abundância. Você em carne, sangu e talvez espírito. Não sei. Depende daquilo em que você acredita. Mas sabedoria, sim. Carne, osso e sabedoria. Eu sei, eu sei, a sabedoria pode machucar. Às vezes. Outras vezes é um alívio. Saber que amanhã pode ser diferente. Que existe a música. Que a comida tem aquele sabor especial: tempero verde. Chocolate. Continue lendo
Acolhendo a raiva
Lidar com os sentimentos é permitir-se ser inteiro, quebrado, múltiplo: é possibilitar que aquilo que adoece tome forma viva e a saúde se faça presente. Viver é experienciar uma infinidade de sentimentos. Desde pequenos. Às vezes, não sabemos nomear: eles se produzem no corpo, manifestam-se através de pensamentos que se repetem, insistem em acontecer. Nem sempre é preciso nomear. Mas é sempre importante aprender a reconhecer aquilo que nos toca. Aquilo que movimenta por dentro. Saudade, medo, amor, ternura, tristeza, amargura, ciúme, tédio, timidez, apego. E raiva. Hoje escolho falar sobre a raiva. Sentimento forte, intenso, mal falado, aquele sentimento que muitos de nós não gostamos de admitir.
Parto do princípio de que não há sentimento proibido. Todos são sentimentos e todos nós podemos experienciar qualquer um deles em maior ou menor grau. Não há sentimento errado. Ruim é o sentimento mal direcionado. A raiva é um desses sentimentos considerados errados. Na ânsia de ser bons, não admitimos que podemos ser destrutivos. E o mais interessante disso é que, quanto menos admitimos, mais destrutivos nos tornamos. A raiva guardada dentro nos sufoca, nos machuca, faz com que nos voltemos contra nós – e contra o outro – com uma fúria avassaladora: junto dela vêm a culpa e o medo de não sermos tão bons quanto pensamos e queremos. Junto da raiva sufocada, vêm a angústia, a paralisia diante da vida, o pavor de que nos vejam como somos: humanos, simplesmente humanos. Continue lendo
Aquele SIM que você pode (e merece) dizer
A si mesmo.
Ouço em meus atendimentos uma queixa muito comum: a dificuldade de dizer não. A amiga vem pedir uma ajuda e, no momento, a pessoa não se encontra disposta: o não está agarrado na garganta mas a pessoa diz sim. E diz sim suprimindo o próprio desejo de, quem sabe, apenas descansar. A mãe exige presença em uma festa da família: porque, afinal, é uma festa da família. A pessoa diz sim. E se sente sufocada como se as horas na festa fossem maiores do que as horas comuns dos dias. O filho mais uma vez arruma aquele problema financeiro – ah, o mesmo de sempre – e a mãe desiste da própria viagem para suprir a demanda do não mais pequeno bebê. E a situação vai ficando pior. As pessoas exigem carona. Presença, conselho. Cabeça erguida quando você está está triste. Elas exigem, não pedem. Exigem que você ame como elas querem. Que você não se separe. Que você não ame alguém do mesmo sexo. Que você, sendo mãe, não saia para amar ou dançar. As pessoas exigem. Em nome de si mesmas, da sociedade, da religião. E não aceitam um “não”. Ficam magoadas, feridas, queixosas. Ficam desesperadas. Você de repente se torna um poço infindável de sim e sim e sim. E, enquanto isso, sua mente e seu corpo começam a não suportar mais. Continue lendo