Sua história importa

A história é o fio condutor da vida. Mas não é determinante. Ela não diz: “é assim que você será para sempre”. Ela explica: “É por isso que você hoje se apresenta desse modo”. Ela é feito raízes e sementes que fazem crescer caules e germinar flores. A história conduz aos frutos. E revela novos nascimentos e novas mortes em um mesmo fio de vida.

Sua história importa. Sua história de família e os arredores de seu bairro. Suas brincadeiras de infância, o seio que alimentou seu corpo. Todas as narrativas, lendas e todos os mistérios que alimentaram seu espírito. Todas as memórias que hoje dançam ao seu redor. A história é seu primeiro roer de unhas em uma situação de aflição. Ela também conta dos monstros – reais ou imaginários – que assombraram sua infância. A história carrega seus traumas e as estratégias que você criou para atravessá-los. Conta das vezes em que seu corpo foi ferido, tocado de forma imprópria, amaldiçoado. Fala também de sua alma deixada de lado, seus saberes não reconhecidos. Continue lendo

Das tramas da ansiedade

Não é o mesmo que estar preocupado com uma prova que ocorrerá no final de semana. Não é o mesmo que um friozinho na barriga antes de um acontecimento delicioso. Não é o mesmo que estar ansioso com algo específico e depois passar. É mais como se houvesse uma prova gigantesca a cada dia, a cada hora, a cada instante. As tramas da ansiedade colocam você em um estado de constante alerta. E o corpo fica também alerta. O peito aperta, as pernas tremem, a respiração falha. Às vezes ocorre uma crise de pânico, sensação das mais assustadoras. E você tem ânsia de viver mas parece estar sempre à beira de um abismo. E todos os pensamentos de todas as tragédias possíveis fazem sua mente agitar e seu coração saltitar. E então você não consegue explicar aos seus amigos o motivo de não conseguir ir à sessão de cinema marcada há dias. “É que hoje não dá”. – e seu coração aperta. E você não consegue explicar aos famíliares o porquê de precisar sair para tomar um ar no almoço de domingo. E você está suando mesmo estando frio. E você pede ao seu companheiro ou à sua companheira que lhe abrace e conte a respiração com você. E às vezes ele ou ela não entende. Talvez você já faça uso de medicações para ansiedade. É importante que, se o fizer, faça com acompanhamento médico. Talvez você já faça terapia. E esteja trabalhando isso. Continue lendo

Se você tem depressão…

De acordo com informações da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) em 2018, estima-se que em todo o mundo 300 milhões de pessoas sofram de depressão. O transtorno é a principal causa de incapacidade em todo o mundo e contribui de forma importante para a carga global de doenças. A depressão é determinada por uma interação de fatores psicológicos, sociais e biológicos, sendo uma condição que demanda suporte de profissionais de saúde mental e de uma boa rede social de apoio para a pessoa que sofre.

Se você recebeu o diagnóstico de depressão ou apresenta sintomas como humor deprimido, perda de interesse em atividades que lhe costumavam parecer simples, perda de energia e redução do prazer no cotidiano, diminuição geral no desempenho nas atividades do dia-a-dia, desejo de morrer ou pensamentos de tirar a própria vida, saiba que você não está só. E não se culpe. Se você tem depressão, a primeira coisa a fazer é não se culpar. Antes, respeite e escute o seu corpo para saber como pedir ajuda. Sempre há alguém com quem conversar. Se você tem depressão, não faça silêncio. Fale. Conte a um familiar, a um amigo. Se você for adolescente, pode procurar o orientador de sua escola. Peça ajuda para procurar apoio profissional se você não conseguir fazer sozinho. Mas procure apoio profissional. Continue lendo

Dezembro

Chega dezembro, período de festas –  ainda que não haja festa em todas as partes, ainda que se vistam de sombras alguns lares. Chega dezembro. Tempo em que muitas e muitas pessoas repensam o ano, os erros e os acertos. E se propõem a renovações. Surgem então as listas de promessas de ano novo: ser mais saudável, encontrar um amor, perder peso, mudar de emprego, iniciar um novo curso, começar uma faculdade, juntar dinheiro. Corresponder a padrões preestabelecidos. Ou romper com todos os padrões do mundo. Viajar mais. Brigar menos. Ser mais feliz.

Chega dezembro, período de festas – ainda que não haja festa em todas as partes, ainda que se vistam de sombras alguns lares. E é porque não há festa em todas as partes e porque alguns lares se vestem de sombra que convido-os aqui a reflexões. O período de fartura para alguns é momento de fome para outros. O momento de renovação e promessas para uma pessoa é período de adeus e de luto para outra Continue lendo

Produzir sentidos: um jeito de ser o que se é

É possível – e comum – nos dias atuais que sejamos tomados por um vazio de sentido. Ansiosos ou deprimidos, tomados pelo medo da perda de um emprego ou de alguém amado, sufocados por questões de trabalho ou financeiras, dominados por um tempo que não nos permite respiros ou mergulhados no nada do tempo sem desejo, perguntamo-nos: o que pode produzir sentido em nossas vidas? Talvez a resposta para isso esteja sempre em construção: ela está exatamente onde se para o pensamento e se dá início à ação – mesmo que a ação seja a produção de novos pensamentos, como quando começamos um curso diferentes ou produzimos um artigo.

Produzir sentidos é dar pequenos passos rumo ao que se é. Por isso, frequentemente vejo como é bonito quando alguém que há muito tempo não conseguia sair de casa acaba por marcar um café com uma amiga. Parece algo simples, mas é ação. Ação poderosa rumo ao que se é. Essa pessoa restabelece laços, mais do que com a amiga: ela os recria consigo mesma. Da mesma forma, iniciar uma dança, uma caminhada, um bailar rumo ao trabalho de outra forma: tudo isso pode produzir novos sentidos no trajeto. Escrever um poema, ouvir uma música, tocar um instrumento. Vestir-se de modo diferente – mesmo que sutil – e admirar-se no espelho. Continue lendo

Outubro Rosa: lidando com a vida

 

 

Campanhas de saúde mensais, com suas cores marcantes e seus dizeres fundamentais, são importantes para alertar sobre questões importantes na sociedade: discutir prevenção, cuidado, formas de auxílio profissional. No caso do Outubro Rosa, falamos da importância da detecção precoce do câncer de mama e da importância do cuidado à saúde de pessoas com câncer.

Prevenir e cuidar. Acolher e respeitar.

Como psicóloga, aproveito este mês para tratar de uma questão que considero fundamental: como lidar com a descoberta da doença e com o período de tratamento? Antes de trazer uma resposta pronta, já digo que é o sentimento de cada pessoa que dará conta do momento: não há uma verdade simples e definitiva. Receber o diagnóstico de um câncer é diferente para cada um. E lidar com o diagnóstico é lidar com a vida ou, de outro modo, com o novo que a vida traz. Continue lendo

Sobre o mês amarelo: prevenção ao suicídio

A você que pensa em partir, peço que respire. Mais uns segundos. Não é que a vida seja sempre seja bela. Também não são sempre doces os sonhos. Pensar em partir, sumir e morrer é algo possível a todos nós em algumas circunstâncias da existência: é humano. Toda a vida pulsa e às vezes pulsa em dor. Por isso é preciso que, diante desses pensamentos e sentimentos sobre morte, saibamos como pedir ajuda: como dizer em voz alta essa sensação que é tão humana como tantas outras sensações.

Por isso eu peço que respire. Fundo. Aqui comigo. 1, 2, 3. Pra dar tempo de conversar com o pensamento. Pra dar tempo de pensar um outro pensamento. Pegar o telefone e pedir ajuda. Abrir o seu caderno e rascunhar o abismo. Ontem era primavera. Houve um instante, não houve? Sempre há. Da sua beleza, da sua alegria, a sua abundância. Você em carne, sangu e talvez espírito. Não sei. Depende daquilo em que você acredita. Mas sabedoria, sim. Carne, osso e sabedoria. Eu sei, eu sei, a sabedoria pode machucar. Às vezes. Outras vezes é um alívio. Saber que amanhã pode ser diferente. Que existe a música. Que a comida tem aquele sabor especial: tempero verde. Chocolate.  Continue lendo

Acolhendo a raiva

Lidar com os sentimentos é permitir-se ser inteiro, quebrado, múltiplo: é possibilitar que aquilo que adoece tome forma viva e a saúde se faça presente. Viver é experienciar uma infinidade de sentimentos. Desde pequenos. Às vezes, não sabemos nomear: eles se produzem no corpo, manifestam-se através de pensamentos que se repetem, insistem em acontecer. Nem sempre é preciso nomear. Mas é sempre importante aprender a reconhecer aquilo que nos toca. Aquilo que movimenta por dentro. Saudade, medo, amor, ternura, tristeza, amargura, ciúme, tédio, timidez, apego. E raiva. Hoje escolho falar sobre a raiva. Sentimento forte, intenso, mal falado, aquele sentimento que muitos de nós não gostamos de admitir.

Parto do princípio de que não há sentimento proibido. Todos são sentimentos e todos nós podemos experienciar qualquer um deles em  maior ou menor grau. Não há sentimento errado. Ruim é o sentimento mal direcionado. A raiva é um desses sentimentos considerados errados. Na ânsia de ser bons, não admitimos que podemos ser destrutivos. E o mais interessante disso é que, quanto menos admitimos, mais destrutivos nos tornamos. A raiva guardada dentro nos sufoca, nos machuca, faz com que nos voltemos contra nós – e contra o outro – com uma fúria avassaladora: junto dela vêm a culpa e o medo de não sermos tão bons quanto pensamos e queremos. Junto da raiva sufocada, vêm a angústia, a paralisia diante da vida, o pavor de que nos vejam como somos: humanos, simplesmente humanos. Continue lendo

Aquele SIM que você pode (e merece) dizer

A si mesmo.

Ouço em meus atendimentos uma queixa muito comum: a dificuldade de dizer não. A amiga vem pedir uma ajuda e, no momento, a pessoa não se encontra disposta: o não está agarrado na garganta mas a pessoa diz sim. E diz sim suprimindo o próprio desejo de, quem sabe, apenas descansar. A mãe exige presença em uma festa da família: porque, afinal, é uma festa da família. A pessoa diz sim. E se sente sufocada como se as horas na festa fossem maiores do que as horas comuns dos dias. O filho mais uma vez arruma aquele problema financeiro – ah, o mesmo de sempre – e a mãe desiste da própria viagem para suprir a demanda do não mais pequeno bebê. E a situação vai ficando pior. As pessoas exigem carona. Presença, conselho. Cabeça erguida quando você está está triste. Elas exigem, não pedem. Exigem que você ame como elas querem. Que você não se separe. Que você não ame alguém do mesmo sexo. Que você, sendo mãe, não saia para amar ou dançar. As pessoas exigem. Em nome de si mesmas, da sociedade, da religião. E não aceitam um “não”. Ficam magoadas, feridas, queixosas. Ficam desesperadas. Você de repente se torna um poço infindável de sim e sim e sim. E, enquanto isso, sua mente e seu corpo começam a não suportar mais. Continue lendo

No seu tempo, na sua hora, nos seus passos

Há quem diga: “Apresse-se! Já era hora de você estar se levantando da cama”; “Mas você não está se esforçando nada”; “Ansioso por quê? Não há nada acontecendo.”

Sabemos. Há sempre mundos acontecendo dentro de nós. Tendo a escrever sobre o tempo e sobre os movimentos sutis porque é assim que as transformações ocorrem. Hoje gostaria  de convidar você a olhar a sua história. Seus passos mais recentes e mais antigos. Todas as lutas travadas e todas as vezes em que você venceu essas lutas. Não precisam ser lutas que os outros – familiares e amigos – possam enxergar: isso é entre você e você.

Você sabe o quanto foi sufocante ouvir palavras duras aos 8 anos de idade e seguir – aos trancos e barrancos – acreditando em si. Você sabe o quanto foi custoso começar uma faculdade e você foi lá. E começou. E eu não sei se você continuou, mas você começou. E você sabe o quanto foi custoso – emocionalmente e financeiramente – continuar. Continue lendo