Um amor para toda a vida?

Os desenhos da Disney ensinam: há um único amor de nossas vidas. Esse amor perfeito de gente perfeita e linda, que nasce em bailes suntuosos e arrebata para a eternidade.

Os seriados modernos já tentam ser mais realistas. Existe um que todo mundo adora – não vou colocar o nome pra vocês não brigarem comigo – em que o rapaz passou anos apaixonado por uma e depois se casou com outra.

Então as pessoas passaram a usar essa máxima: “Existe o ‘amor da sua vida’ e o ‘amor para sua vida’…”

Ao que parece, o “amor da vida” é aquele amor arrebatador e eterno, que não esmorece nem por um segundo. Um amor perfeito.

E o “amor para a vida” é o amor conformado, é com quem a pessoa decide ficar e se aconchegar. Porque o grande amor, aquele mais importante, era impossível.

As pessoas acham isso lindo. Eu acho deprimente.

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Traumas, sexualidade e dissociação

Para falar de trauma e sexualidade, é preciso compreender antes de tudo que eventos traumáticos, especialmente na Infância, conduzem o Individuo a voltar todo o ódio não contra quem o traumatizou, mas contra si e contra o próprio corpo.

“O mundo do trauma que existe em cada um de nós difere, dependendo de nossa disposição Individual e de nossas experiências pessoals. (- há uma dinâmica que é comum a todos os que sofrem o trauma: primeiro, o sistema se torna extremamente sensível, segundo, desenvolvemos alguma forma de dissociação; terceiro, nossa identidade se entrelaça com a vergonha. Em consequência, não temos escolha a não ser vivenciar a nós mesmos e aos outros de forma distorcida”.

Daniela Sieff no livro “compreensão e cura do trauma emocional: conversações com clínicos e pesquisadores pioneiros.

Outra questão Importante é compreender que aqui falamos de violências físicas, sexuais e psicológicas e também de situações de negligência emocional nem sempre tão perceptíveis a olhares menos atentos. É na clínica que, muitas vezes, conseguimos ouvir na criança, no adolescente ou no adulto – a voz da criança maltratada, violentada, negligenciada.

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Aquele amor maior: o amor próprio

A dependência emocional produz dores profundas e difíceis de serem tratadas: ao pensar que se precisa da validação do outro para se sentir alguém, a pessoa que sofre de dependência emocional se coloca em um estado de constante vulnerabilidade. Você já se viu assim? Sentindo-se sem valor ao ser duramente criticado ou deixado por alguém (um amor, um amigo, um colega de trabalho, um familiar)? É mais comum do que se pensa. Muitas vezes, diante de situações assim, vivências inconscientes e antigas de abandono vêm à tona e crescem na consciência como uma crença de baixo valor próprio e de extrema solidão. Muitas vezes o luto intenso pelo término de uma relação tem a ver com vivências mais profundas do que se imagina. É por isso que o cultivo do amor próprio – expressão tão próxima do senso comum mas que fala de algo tão necessário – é essencial.

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Conexões

Em tempos de afastamento social – isolamento ou quarentena, como você quiser chamar -, somos mais do que nunca convocados a buscar formas de conexão com o mundo, com as pessoas, com nós mesmos. Se antes conectar-se parecia algo a se fazer para daqui alguns dias – “que marquemos um café na próxima semana” -, hoje, muitos de nós sentimos falta do simples encontrar os pais, os filhos, os netos, os avós, os amigos, os namorados. Como num estranho apocalipse dos afetos, nos sentimos perdidos: além do medo da morte, já vivemos um luto da vida que vivíamos antes.

O luto machuca, dá raiva, dá vontade de gritar, faz chorar ou produz aquele silêncio inexplicável carregado de inquietude. E o que fazer com a inquietude do luto, a saudade de nós mesmos?

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De ser simplesmente humano: quando a gente tropeça no autocuidado

Há alguns dias escrevi um post com pequenas dicas sobre o que fazer em tempos de pandemia. Mantenho-as como válidas e importantes – você pode ir lá e olhar. Mas nada como o tempo para nos ensinar a desaprender as coisas e reaprender outras. Como psicóloga, como humana, como mulher de 36 anos, nunca vivi algo semelhante ao que estamos vivendo agora. Creio que isso é novo para todos nós. E, diante do novo, precisamos encontrar formas de nos reinventar. Como? Não sei dizer ao certo. Tenho aprendido com cada paciente, cada pessoa querida, cada depoimento que leio e escuto. Tenho aprendido comigo.

Este é um post íntimo de uma psicóloga que diz: eu não sei. E a gente não precisa saber. A gente vai descobrindo. Pode ser que você aprecie a solidão ou a própria companhia. Pode ser que você precise encontrar formas diferentes de contato – e a internet nos ajuda nisso. Pode ser que você descubra um talento novo ou se redescubra naquilo que parecia desconhecido. E pode ser que você tropece nisso. E não saiba mais o que fazer.

Eu lhe digo, então: está tudo bem tropeçar. Está tudo bem você ficar confuso com as notícias e querer fechar os olhos e apenas dormir. Desde que não se afunde nisso, permita-se às vezes sentir a dor. O mundo dói na gente. Mais em uns do que em outros. De jeitos diferentes. Uma foto que sem querer passa na tela de nosso celular pode derrubar nosso dia. Uma outra pode nos animar. A varanda ou o quintal de casa podem ser pequenas saídas para o mundo exterior. Um pouco de sol em meio aos tropeços.

E você pode querer arrumar tudo toda hora. E desinfetar tudo toda hora. Ou de repente se cansar disso. Se seu coração estiver confuso, está tudo bem. A gente não sabe bem o que fazer. Ninguém de nós. A gente se escuta e se conforta. E se você não conseguir fazer yoga, você pode dançar. Se você não conseguir dançar, você pode ouvir música. Se você não conseguir ouvir música, você pode escrever. Ou pintar. Ou gritar. Você pode gritar.

Você pode gritar! Continue lendo

E quando você tem um dia ruim?

Você olha a internet. Facebook. Instagram. As pessoas celebram a corrida matinal ou mais um dia fechado com sucesso. O cansaço de um dia cheio de trabalho é exaltado. Metas cumpridas, sorrisos alegres, finais de semana na praia ou na balada.

Você acorda cedo. Sua cabeça está doendo. Ou você tem uma crise de ansiedade. Talvez seja um dia em que a depressão bateu mais forte. Ou você simplesmente não dormiu bem. Ontem você se lembrou de que faria um ano da morte de alguém querido. Hoje você não está bem para trabalhar. É dia de semana. Você queria era mais tempo de cama. Você toma seu analgésico, quem sabe. Recupera-se de leve. Você vê o sol brilhando e só fica pensando no calor do ônibus lotado. Você está de mau humor. E o dia passa como se não valesse a pena. Como se você estivesse carregando pedras enormes até o alto de uma montanha e elas rolassem morro abaixo e você tivesse que empurrá-las de novo. Isso é mitológico. Sísifo, castigado por Zeus na mitologia grega, passava por isso. Isso pode ser uma metáfora para um dia ruim. Ou para vários dias ruins. Continue lendo

Reconhecendo seus próprios limites

E então você sofre um acidente e precisa parar de trabalhar por um tempo. Ou então é a própria exaustão que lhe gera uma crise emocional e você demanda um afastamento de suas atividades. Mas você não quer parar. Você tem medo. Medo de perder o reconhecimento, o lugar, a potência. O medo da invalidez – temporária ou permanente – acompanha-nos como o medo da morte, mas não de maneira idêntica. Há quem diga, por exemplo, que não teme tanto a ideia de morrer, mas se angustia com a ideia de ficar dependente e dar trabalho aos outros. Aquilo que nos faz parar, “dar trabalho”, precisar de colo, depender de apoio às vezes parece insuportável. É uma ferida em nossa ideia de perfeição e de potência. É um reconhecimento – muitas vezes doloroso – dos limites da vida.

A doença, no corpo ou na alma, muitas vezes aparece como forma de mostrar o limite. As dores, as ansiedades, as depressões exigem pausas, mais longas ou mais curtas, e fazem com que precisemos pedir ajuda. Não apenas profissional, mas também de familiares e amigos. Nesses casos, aprendemos a formar redes e a reconhecer a importância dos laços. A parar aquilo que sempre nos pareceu natural de fazer e repousar o coração. Continue lendo

A folia em nós

É Carnaval. Qual a sua fantasia? Ainda que você não caia na folia, vale a pena permitir-se a beleza das tantas máscaras que nos envolvem. Tendemos a demonizar as máscaras: costumamos dizer que “a máscara caiu” quando alguém revela de si algo desconhecido – uma faceta menos doce ou agradável. Mas não usamos máscaras o tempo inteiro? Não nos fantasiamos, afinal, dos inúmeros papéis que ocupamos na sociedade? As máscaras são nossas inúmeras peles. É preciso ser um pouco camaleão. É preciso ter um pouco de réptil e trocar de pele de vez em quando. Hoje, talvez, você queira ser bicho-preguiça e passar a tarde inteira na rede. Amanhã no mar. Se lhe foi oferecido tempo livre, você pode aproveitar as maravilhas do feriado sendo bruxa, fada, demônio ou guerreiro. Você pode dançar o Carnaval até tarde e se permitir um amor sem compromisso – sempre com o consentimento das partes e com camisinha, vale lembrar. Porque o autocuidado e o cuidado do outro cabem em qualquer fantasia.

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Fim de um relacionamento

Quando um relacionamento amoroso chega ao fim, atravessa-se um processo de luto. É como se algo ou alguém muito importante houvesse morrido, ainda que a outra pessoa esteja viva. Sente-se falta do tempo preenchido pela presença, do fazer junto, dos planos construídos lado a lado. Sente-se falta do esperar chegar, do aguardar o próximo encontro e de todas as pequenas saudades que o relacionamento proporcionava no dia-a-dia. Sente-se saudade do que não aconteceu e, não raro, ainda que que o relacionamento tenha sido ruim ou mesmo abusivo, as lembranças boas colorem os pensamentos fazendo a dor ficar mais forte.

Acredito que é preciso sentir a dor. Como todo luto, é preciso atravessá-lo, chorá-lo, vivenciá-lo. Por vezes, ele se apresenta como uma montanha russa ou como ondulações, com altos e baixos de sentimentos e memórias – raiva, saudade, amor, ternura, tristeza. Todo fim é um luto. Mas é sempre importante pensar que o fim pode também ser um recomeço, especialmente no caso específico do fim de um relacionamento. Continue lendo

Sobre estar pronto

Você muitas vezes pode querer esperar estar pronto para começar. Ou para recomeçar. Para colocar um fim. Para tomar aquela decisão importante que poderá dar uma volta misteriosa em sua vida. Uma volta rumo a não sei onde. Rumo a estradas tortuosas, mas desejadas. Você muitas vezes pode querer esperar estar pronto para o desejo. Ou para dar partida ao desejo. Entendo o cuidado. É compreensível que se tenha cautela diante de escolhas e mudanças. Afinal, a vida é delicada. Um fio de doçura. É fundamental no entanto, saber também que toda transformação só se dá na caminhada. No riscar dos passos. No arriscar do destino. No lançar-se à loucura das possibilidades. Afinal, a vida é potente. Um tronco de força.

Nunca se está deveras pronto para começar. Para recomeçar. Ou para colocar um fim. Fazer uma escolha é sempre escolher uma morte e um parto. E são dois momentos difíceis que experienciamos diversas vezes ao longo de nossa existência. Nascemos e morremos a cada escolha. Deixamos para trás peças que não nos servem mais, mas que deixam pontadas de saudades do que poderíamos ter sido. Saltamos rumo o desconhecido em nós, ávidos de amor e pálidos de medo. Mas saltar é preciso. Necessário. Urgente. Continue lendo