Carta aos jovens: como lidar com um amigo em sofrimento

Este texto é especialmente dedicado a adolescentes e jovens, mas espero que possa ajudar também qualquer pessoa que tenha um familiar ou amigo que possa estar passando por depressão, ansiedade ou ideações suicidas. Não pretendo apresentar uma fórmula pronta – elas não existem – mas convidar ao diálogo.

Querido jovem,

Nos últimos tempos o seriado “13 Reasons Why” (Os 13 porquês) vem fazendo sucesso especialmente entre adolescentes. Ele conta a história de Hannah Baker, uma adolescente que passou por várias situações de bullying, assédio, machismo e violência sexual até chegar ao ponto de cometer suicídio. Ela, então, grava fitas contando quais foram as 13 razões que a levaram a tal ato. O seriado está na segunda temporada, que ainda não assisti. Sobre a primeira temporada, fiz muitas reflexões, inclusive com amigos de profissão, e hoje posso dizer que vejo dois problemas muito fortes:

1. Mostrar a cena de suicídio de forma muito gráfica. Isso produz um impacto que não é necessário para a discussão sobre a empatia, além de poder ser um estímulo para jovens que estejam passando pela mesma situação.

2. Individualizar a culpa: ou seja, colocar a culpa em cada pessoa. Quando ouvimos Hannah falando sobre cada um de seus colegas como culpados de sua morte, podemos nos esquecer de que a depressão e outros transtornos têm causas muito mais complexas do que a série tenta fazer parecer. Seria possível, sim, discutir as consequências do bullying, da violência e do machismo de uma outra forma. Inclusive, há adolescentes que aparecem nas fitas que também passam por situações dolorosas e constrangedoras.

Pois então, querido jovem. Escrevi sobre esses pontos apenas para fazer uma introdução. A ideia aqui não é discutir o seriado, mas conversar com você sobre como lidar com um amigo que esteja falando de sofrimento e que, talvez, você desconfie que esteja em depressão. Antes de tudo, vamos focar no segundo ponto que listei: comece primeiramente se libertando da culpa. Nós temos, sim, responsabilidade pelo que fazemos, mas uma pessoa sozinha não é capaz de salvar a outra. Ajudar, acolher, abraçar, evitar palavras duras: isso sim. Não ser machista, racista, homofóbico. Tratar o outro com respeito: acolher as diferenças. Fazendo isso você não está apenas ajudando colegas em sofrimento, você está contribuindo para um ambiente com mais saúde mental e mais respeito.

No entanto, se acontecer de você perceber um amigo se isolando, falando em desistir, perdendo o gosto pelas coisas que o agradavam, comentando sobre vontade de morrer, você pode, simplesmente, estar ao lado dele sem julgar. E, não, você não é culpado por ter brigado com ele semanas antes, por não ter tido tempo em algum momento, por ter falhado, tropeçado, por não ter sabido como agir ou por qualquer motivo que possa lhe passar pela mente: você é apenas parte da rede que pode apoiá-lo. Mas você também é jovem, você também pode achar difícil lidar com a dor do outro e compreender exatamente o que acontece.

Você merece se cuidar e ser cuidado também. Por isso, ao ouvir frases que o preocupam, converse com seu amigo sobre buscar aconselhamento. Você pode conversar com um orientador da escola ou acompanhá-lo para que ele se aconselhe. A partir daí seu amigo poderá ter o apoio dos pais ou responsáveis e buscar suporte profissional –  psicológico e médico – dependendo da necessidade.

Se o seriado (voltamos a ele) fala de culpa, quero falar aqui de responsabilidade. E responsabilidade consiste em agir com ética e respeito. E isso também significa respeitar a si mesmo. Você terá seus limites e, talvez, para ajudar o outro, você precise pedir ajuda. Criar um mundo com mais saúde é algo que se faz devagar e com gentileza – principalmente gentileza consigo mesmo. Você também precisa de saúde mental. Você merece saúde mental. E você vai se atrapalhar e tropeçar muitas vezes, porque é assim que acontece. Mas você vai acertar também. E você é importante só por estar perto, o quanto for possível – mesmo achando às vezes que está fazendo pouco. Estar junto nunca é pouco.

Agora, querido jovem, se é você quem está passando por tudo isso, converse com alguém. Não guarde para você. A escuta de um profissional de saúde mental – um psicólogo – pode fazer toda a diferença. A companhia de pessoas queridas também. Sei que às vezes o desejo é de se isolar. Mas sei também que sempre há alguém que vale a pena. Não se isole. E, por favor, não se cale.

Vou escrever mais sobre isso em outro momento. No mais, segue o link do CVV (Centro de Valorização da Vida, que realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio): espalhe para seus amigos e tenha também para você o contato.

Abraços carinhosos,

Carla

One thought on “Carta aos jovens: como lidar com um amigo em sofrimento

  1. Concordo, absolutamente, sobre a série. Mostraram o suicídio de uma forma didática, que nem mesmo eu, aos 35 anos, sabia bem como era feito. Achei pesado e desnecessário. A segunda temporada está ainda mais pesada e sofrida… Salvo algumas boas mensagens, eu hoje como adulta, jamais recomendaria para um adolescente. Trás consigo muita culpa. Muita! E gostaria de algumas dores mais bem resolvidas, com tom de “respiro”, sei lá…
    Sobre a lidar com alguém que passa por isso, não custa ler sempre, porque é muito difícil apenas parar, silenciar e ouvir. Nem falarei sobre julgar, porque julgar não tem espaço independente de qualquer situação. Mas quando se passa por algo parecido, pedir ajuda parece ser a última opção… Até descobrirmos que é a única!
    Amei o blog… Aguardando novas postagens.

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