A si mesmo.
Ouço em meus atendimentos uma queixa muito comum: a dificuldade de dizer não. A amiga vem pedir uma ajuda e, no momento, a pessoa não se encontra disposta: o não está agarrado na garganta mas a pessoa diz sim. E diz sim suprimindo o próprio desejo de, quem sabe, apenas descansar. A mãe exige presença em uma festa da família: porque, afinal, é uma festa da família. A pessoa diz sim. E se sente sufocada como se as horas na festa fossem maiores do que as horas comuns dos dias. O filho mais uma vez arruma aquele problema financeiro – ah, o mesmo de sempre – e a mãe desiste da própria viagem para suprir a demanda do não mais pequeno bebê. E a situação vai ficando pior. As pessoas exigem carona. Presença, conselho. Cabeça erguida quando você está está triste. Elas exigem, não pedem. Exigem que você ame como elas querem. Que você não se separe. Que você não ame alguém do mesmo sexo. Que você, sendo mãe, não saia para amar ou dançar. As pessoas exigem. Em nome de si mesmas, da sociedade, da religião. E não aceitam um “não”. Ficam magoadas, feridas, queixosas. Ficam desesperadas. Você de repente se torna um poço infindável de sim e sim e sim. E, enquanto isso, sua mente e seu corpo começam a não suportar mais.
É que cada sim sem vontade – sem querer, sem poder, sem suportar – que você diz ao outro é um não que você diz a você. Existe uma máxima que aprendemos desde pequenos: “nem tudo é do jeito que a gente quer”. Talvez você, levado por essa máxima, acaba por sufocar suas vontades: afinal, não parece estar certo fazer o que você deseja. “Nem tudo é do jeito que você quer”. Então você aceita a exigência grosseira, a fala rude e mesmo o pedido gentil, muito gentil, mas que não se encaixa no seu desejo. E acaba que nem tudo fica do jeito que você quer. Por que é assim mesmo, não é? É. Exceto pela falha que há nesse pensamento. “Nem tudo é do jeito que a gente quer” funciona para o outro também. Também ele pode se frustrar e não receber sua ajuda, seu colo, sua carona, seu dinheiro, seu tempo, seu corpo, sua alma, sua carne. Ele pode e deve se frustrar quando o que você for doar estiver além do que você pode. E essa medida você reconhece. Ou melhor, seu corpo avisa. Algo em você avisa. Seu desejo avisa.
Cada não que você diz ao outro – e o outro pode ser uma pessoa ou uma regra social – é um sim que você diz a si mesmo. E você merece dizer esse sim. Você merece acarinhar-se com um descanso em uma tarde livre. Em deixar às vezes a a louça sem lavar. Em fazer algo que o outro pode considerar um erro. E até em tropeçar. Tropeçar às vezes é um carinho que se faz para si. É um gostinho de vitória com poeira na boca. E você pode acarinhar-se guardando seu tempo para as coisas que lhe fazem bem. Dançar até o chão. Voar nos pensamentos. Guardar o seu dinheiro para fazer uma visita a alguém querido no fim do ano. Ou só viajar sozinho. Você pode acarinhar-se escolhendo quem você ama. E dizendo sim. Ao amor, à raiva que você sente, à alegria.
Diga aquele sim. Aquele que você merece dizer a si mesmo. Você pode.