18 de maio é dia de recordar

18 de maio é dia de recordar: existem histórias que não podem ser esquecidas. Histórias que marcam feito ferida profunda: uma ferida social que, se não nos atentarmos, seguirá em repetição. Sim, o que o que vou escrever agora vai doer. E deve doer. Araceli Cabrera Crespo tinha 8 anos quando foi sequestrada, drogada, espancada, estuprada e morta em 18 de maio de 1973. Os criminosos foram absolvidos. E a memória de Araceli marca o dia 18 de maio como o Dia Nacional do Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A memória que não é apenas a memória de Araceli: é a memória de cada criança e adolescente que sofre abuso e vivencia exploração sexual. Cada criança ou adolescente que tem sua voz silenciada, suas potências dilaceradas; cada criança ou adolescente que, depois de crescida, guarda marcas de uma voz que não saiu.

18 de maio é dia de recordar. Para não repetir.  Como dizia o poeta Manoel de Barros: “Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece são inventadas”. Manoel, é claro, tantas vezes tratou da leveza. Aqui, trato do insustentável. Foi no ano passado que uma adolescente foi estuprada por 30 homens – e teve seu sofrimento filmado. Foi então que escutamos, com horror, a culpabilização dessa menina. De sua história e de sua sexualidade. De seu comportamento e de suas escolhas. Enquanto outros de nós falávamos das não-escolhas ali colocadas. O consentimento que não existiu. A dor. Pode que os culpabilizadores não sejamos nem eu nem você que me lê – espero, aliás, que não sejamos. Porém aqui me refiro a algo mais amplo, mais arraigado em nossa história: é desde cedo que se aprende a culpabilizar a vítima. É desde cedo que os corpos das crianças – especialmente os das meninas – encontram-se vulneráveis: e – desde cedo – não respeitamos, nos mais jovens, o seu sim e o seu não.

Para falar da vulnerabilidade da criança poderíamos entrar na história do conceito de infância – como ele foi se construindo em nossa sociedade -, bem como avaliar os diversos contextos sociais e culturais em que a infância se produz. Este texto, porém, é breve: é  um pedido de escuta. Um pedido para recordar. De Araceli e de tantas outras. Tantas meninas e tantos meninos, hoje adultos sobreviventes de abusos, que calam suas histórias por medo de serem desacreditados. O esquecimento é o medo da descrença: o segredo é a descrença corrosiva. É por isso que cada vítima que rompe o silêncio abre caminho para que outras tantas mais rompam também. E é fundamental escutar. Nas escolas, nos serviços especializados e nos serviços de saúde; por parte dos familiares e cuidadores; por parte de quem se importa e não desvia o olhar.

18 de maio é um dia para se importar. No filme Spotlight, vencedor do Oscar em 2016, ouvimos a seguinte frase: “Se é preciso uma vila inteira para educar uma criança, é necessária uma vila inteira para abusar dela”. A esperança é de que sejamos uma vila inteira disposta a ouvir e acolher. Uma sociedade disposta a se importar.

Carla Carrion

Texto escrito a convite do Jornal A Tribuna em 18 de maio de 2017.
Imagem: Memorial Araceli em Jardim Camburi, Vitória/ES.

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