Traumas, sexualidade e dissociação

Para falar de trauma e sexualidade, é preciso compreender antes de tudo que eventos traumáticos, especialmente na Infância, conduzem o Individuo a voltar todo o ódio não contra quem o traumatizou, mas contra si e contra o próprio corpo.

“O mundo do trauma que existe em cada um de nós difere, dependendo de nossa disposição Individual e de nossas experiências pessoals. (- há uma dinâmica que é comum a todos os que sofrem o trauma: primeiro, o sistema se torna extremamente sensível, segundo, desenvolvemos alguma forma de dissociação; terceiro, nossa identidade se entrelaça com a vergonha. Em consequência, não temos escolha a não ser vivenciar a nós mesmos e aos outros de forma distorcida”.

Daniela Sieff no livro “compreensão e cura do trauma emocional: conversações com clínicos e pesquisadores pioneiros.

Outra questão Importante é compreender que aqui falamos de violências físicas, sexuais e psicológicas e também de situações de negligência emocional nem sempre tão perceptíveis a olhares menos atentos. É na clínica que, muitas vezes, conseguimos ouvir na criança, no adolescente ou no adulto – a voz da criança maltratada, violentada, negligenciada.

(…) ela foi frequentemente envergonhada e reprimida quando tentava expressar suas emoções e, com o tempo, aprendeu a dissociá-las. Para conseguir isso, ela enterrou a criança vibrante, espontânea e sentimental ao mesmo tempo que outra parte dela cresceu prematuramente, desenvolvendo armadura psicológica autossuficiente, identificando-se com sua mente positiva. (–) minha paciente passou a odiar o seu corpo e seus sentimentos, assim como a menina vibrante que vivia naquele corpo e que parecia ser a causa de toda a confusão”. Donald Kalsched, analista jungulano e pesquisador do trauma precoce, em entrevista a Daniele Stieff no livro “compreensão e cura do trauma emocional: conversações com clínicos e pesquisadores pioneiros.

 


No parágrafo anterior, transcrevi um breve relato de um caso clínico de Donald Kalsched, que nos ajuda a pensar o trauma na clinica – e a relação com o corpo e a sexualidade. A pessoa vítima do trauma – especialmente o trauma precoce e não acolhido – experimenta uma desconexão de si mesma, do próprio corpo e das próprias emoções.

Vamos pensar no quanto isso impacta nas relações afetivas? como amar, se o amor foi negado ou apresentado com violência?

Como experimentar o prazer sexual se todo o prazer de existir foi proibido, silenciado, sufocado?

Dissociar é afastar o corpo do eu e o eu do corpo. No entanto, o eu e o corpo são o mesmo. A dissociação é, portanto, uma fantasia de proteção: uma forma de o ego não se render completamente à dor e ao desamparo.

Trabalhar o trauma em clinica, associado a dores e angústias nas experiências afetivas e sexuais, é um exercício de cuidado e paciência da compreensão de um processo longo de cicatrização. Existe vida após o trauma? Pols, sim. Vida, afeto, desejo e possibilidades.

Ainda que seja árduo o caminho. Um caminho que não precisa – e nem deve ser traçado em solidão.

Ilustração de Harumi Hironaka

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*