A dependência emocional produz dores profundas e difíceis de serem tratadas: ao pensar que se precisa da validação do outro para se sentir alguém, a pessoa que sofre de dependência emocional se coloca em um estado de constante vulnerabilidade. Você já se viu assim? Sentindo-se sem valor ao ser duramente criticado ou deixado por alguém (um amor, um amigo, um colega de trabalho, um familiar)? É mais comum do que se pensa. Muitas vezes, diante de situações assim, vivências inconscientes e antigas de abandono vêm à tona e crescem na consciência como uma crença de baixo valor próprio e de extrema solidão. Muitas vezes o luto intenso pelo término de uma relação tem a ver com vivências mais profundas do que se imagina. É por isso que o cultivo do amor próprio – expressão tão próxima do senso comum mas que fala de algo tão necessário – é essencial.
É preciso aprender a olhar para si mesmo com o mesmo amor que se dedica ao outro. Muitas vezes a pessoa que apresenta dependência emocional é também extremamente empática e sabe enxergar belezas nas pessoas ao seu redor. O próximo passo é dar a si mesmo esse olhar generoso e gentil. O processo terapêutico pode ser fundamental nessa caminhada – que não é fácil. Amar a si mesmo é uma jornada árdua, mas que traz como consequência um crescimento inigualável: você se torna, para si, alguém – independente de qualquer coisa. E ser alguém é valorizar a própria existência como única.
Comece por pensar naquilo que faz de você alguém digno de amor. Digno do seu amor. Pense em qualidades suas que você amaria ver no outro: sua empatia, sua doçura, sua capacidade de escuta. Seu riso, seu bom humor, sua criatividade. Um talento especial como desenhar, cantar ou escrever. Seu modo de acalentar alguém que sente dor. Imagine-se com super poderes ou poderes mágicos: qual seria seu maior encanto? Permita-se perceber seu canto de sereia, mas não a sereia que carrega o pescador para a morte. A sereia que conduz à vida nas profundezas de si: uma vida poderosa e cheia de mistérios. O que em você lhe produz encantamento? Que qualidades você já ouviu ter?
Pense em si mesmo como uma criança que merece carinho. Não como a criança de quem você talvez odeie se lembrar: abandonada, frágil, sentindo-se feia e amargurada. Essa é a criança da fantasia do abandono. Ou do abandono real – que lhe foi tão real que machuca até hoje. Pense na criança humana, cheia de sonhos e que merecia todo o afeto do mundo. A criança que, só por ser criança, merecia cuidados. E cuide dela. Cuide dos pequenos talentos que ela já apresentava.
E olhe para o homem ou para a mulher que você se tornou. Perceba o quanto você cresceu e pode agora dar amor a essa memória infantil. E a quem você é agora. Se alguém deixou você, a questão é da pessoa, não sua. Nem todas as pessoas ficam. Algumas se vão. E elas apresentam medos e fragilidades muitas vezes semelhantes aos seus. Pense em quem fica. Em quem pede que você esteja vivo e inteiro para compartilhar as delícias do mundo. Em quem dança na mesma vibração que você. De sensibilidade ou ternura ou desejo. Os desencontros não acontecem por culpa sua. E não devem afetar seu amor próprio. Ame-se. Devagar e urgentemente, como diz a música de Chico Buarque: “Todo o Sentimento”. Encontre-se no tempo da delicadeza com o melhor de si. E abrace o pior também. Não ser um anjo é uma dádiva. É um merecimento perfeito de amor.
Depois de te perder
Te encontro, com certeza
Talvez num tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei, como encantado
Ao lado teuChico Buarque – Todo o Sentimento