Em tempos de afastamento social – isolamento ou quarentena, como você quiser chamar -, somos mais do que nunca convocados a buscar formas de conexão com o mundo, com as pessoas, com nós mesmos. Se antes conectar-se parecia algo a se fazer para daqui alguns dias – “que marquemos um café na próxima semana” -, hoje, muitos de nós sentimos falta do simples encontrar os pais, os filhos, os netos, os avós, os amigos, os namorados. Como num estranho apocalipse dos afetos, nos sentimos perdidos: além do medo da morte, já vivemos um luto da vida que vivíamos antes.
O luto machuca, dá raiva, dá vontade de gritar, faz chorar ou produz aquele silêncio inexplicável carregado de inquietude. E o que fazer com a inquietude do luto, a saudade de nós mesmos?
Conectar é necessário. Por sorte, temos o dom de produzir, receber e vivenciar cultura. Músicas, danças, livros, filmes, fotografias, pinturas. Às vezes nem se trata de um contato com um outro propriamente dito, mas com aquele outro sem forma que se desenha na nossa imaginação na medida em que lemos um livro ou apreciamos uma melodia.
O outro da nossa escrita que flui, do nosso desenho, da nossa própria arte de produzir música – quem sabe. Conexões necessárias em tempos de coronavírus. Você liga para a pessoa que ama e combina de assistirem a um filme juntos. E comentam depois como se estivessem lado a lado. Você faz uma chamada com os amigos, ouve histórias do seu pai – as mesmas de sempre -, e a distância torna-se um quase nada.
Você exercita a saudade dizendo palavras de amor atravessadas por doses de humor. Você ri de um vídeo. Você acompanha uma live. Você enfrenta seu luto com coragem, podendo às vezes cair – e, se cair, descobre que há sempre um lugar macio que segura sua queda.
São tempos difíceis. Já é meio óbvio dizer que as notícias de morte com nomes e rostos ferem com agudeza a nossa carne. Porque a gente sempre pode pensar que um dia será um nome e um rosto conhecido. E saber que um dia pode ser é uma prévia de um luto ainda mais doloroso.
No entanto, a gente segue em frente com as conexões. Às vezes, conviver é difícil. Conviver o dia inteiro, então. Dessa forma, adentrar-se em si parece mais uma forma saudável de conexão. Mergulhar na própria respiração e em uma meditação, escolher as músicas de hoje, cozinhar por prazer.
Sei que tudo está cansativo. É natural essa exaustão. E só a conexão salva. A conexão com essa arte maravilhosa que é existir. Enquanto é tempo. E depois… Depois a gente fala mais, porque é tempo de hojes.