“Você pode me fuzilar com suas palavras, Você pode me inscrever na História
Com as mentiras amargas que contar,
Você pode me arrastar no pó
Mas ainda assim, como o pó, eu vou me levantar.
Minha elegância o perturba?
Por que você afunda no pesar?
Porque eu ando como se eu tivesse poços de petróleo
Jorrando em minha sala de estar.
Assim como lua e o sol,
Com a certeza das ondas do mar
Como se ergue a esperança
Ainda assim, vou me levantar
Você queria me ver abatida?
Cabeça baixa, olhar caído?
Ombros curvados com lágrimas
Com a alma a gritar enfraquecida?
Minha altivez o ofende?
Não leve isso tão a mal,
Porque eu rio como se eu tivesse
Minas de ouro no meu quintal.Maya Angelou
Começo este texto trazendo um trecho de uma poesia de Maya Angelou intitulada “Ainda asssim eu me levanto” ( “Still I Rise”). Aproveito para trazer uma breve história dessa escritora que me cativou e que me foi apresentada por uma paciente querida. Maya Angelou é o pseudônimo de Margherite Ann Johnson, escritora negra nascida nos Estados Unidos em 04 de abril de 1928. Sensível e poderosa, Maya sofreu abuso sexual na infância, além de diversas outras dores – muitas advindas do racismo -, tudo isso relatado na maravilhosa obra autobiográfica “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”. Como um pássaro que nunca deixou de cantar, apesar dos aprisionamentos que lhe eram impostos, Maya lutou por direitos e nos traz uma esperança: é possível viver e seguir em frente, numa luta coletiva e feminina, uma luta que inclua mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres lésbicas, bissexuais, mulheres trans. Uma luta que inclua todas as mulheres.
8 de março é dia de luta. É dia de falar dos abusos que sofremos desde pequenas quando, meninas, precisamos nos portar de modo a não provocar desejos inesperados de homens adultos e meninos mais velhos. Nascidas na culpa, aprendemos a nos culpar. A luta das mulheres é uma luta por abrir mão da culpa e erguer a voz, reconhecer a potência do próprio corpo e, principalmente, das próprias ideias.
8 de março é dia de luta. É dia de falar da luta das mulheres trans que não têm suas identidades reconhecidas. Que sofrem violências físicas, morais e sexuais. Que são excluídas da empregabilidade e de espaços em que possam se expressar.
8 de março é dia de luta. É dia para que nós, mulheres brancas – e aqui, como psicóloga, me coloco também – reconheçamos o racismo estrutural que mina a autoestima e a saúde mental das mulheres negras e indígenas. Que as leva a uma posição subalterna – muitas vezes diante de nós, também mulheres. Que as sexualiza em excesso. Que não as permite a fragilidade que a nós por vezes é permitida. É preciso que reconheçamos os privilégios que a branquitude nos oferece e que saibamos o momento de calar e ouvir.
8 de março é dia de luta. É dia de falar de violência obstetrícia. De violência doméstica. De relacionamentos abusivos. De feminicídio. De como uma cultura ainda patriarcal – aliada a uma masculinidade tóxica – nos destrói e nos faz destruirmos umas às outras.
8 de março é dia de luta. Uma luta para falar de amor. Entre nós. Às vezes até o amor dos românticos – porque tantas mulheres se querem dessa forma também. Mas também do amor de amigas, de irmãs, de mães e filhas. O amor de gerações de mulheres que lutaram antes de nós. Como Maya Angelou, que se levantou. Tantas e tantas vezes.
8 de março é dia de luta. E a luta acontece no miudinho também. No espaço singular de nossa história. É por isso que 8 de março é também para a psicologia clínica. É por isso que 8 de março me envolve como mulher. Envolve meu corpo, meus medos, meus anseios, minhas inseguranças. Que dialogam com seu corpo, seus medos, seus anseios e suas inseguranças. Mas também dialogamos nossas forças. Nossas inteligências. Nossas trocas de ideias. Envolve a escuta e as lutas e questões sociais e coletivas, que em muito influenciam na saúde mental. O machismo, o racismo, a LGBTfobia. O mundo tóxico que não acolhe as diferenças e que considera alguns grupos de pessoas mais importantes que outros.
Finalizo com o restante do poema da mulher maravilhosa que tanto contribuiu para a luta contra o racismo e pelas mulheres.
Você pode me fuzilar com suas palavras,
E me cortar com o seu olhar
Você pode me matar com o seu ódio,
Mas assim, como o ar, eu vou me levantar
A minha sensualidade o aborrece?
E você, surpreso, se admira,
Ao me ver dançar como se tivesse,
Diamantes na altura da virilha?
Das chochas dessa História escandalosa
Eu me levanto
Acima de um passado que está enraizado na dor
Eu me levanto
Eu sou um oceano negro, vasto e irriquieto,
Indo e vindo contra as marés, eu me levanto.
Deixando para trás noites de terror e medo
Eu me levanto
Em uma madrugada que é maravilhosamente clara
Eu me levanto
Trazendo os dons que meus ancestrais deram,
Eu sou o sonho e as esperanças dos escravos.
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto!Maya Angelou