Medo de dar certo

É quase natural pensarmos sobre o medo que sentimos das coisas que podem dar errado. De não se dar bem em uma prova ou de não passar naquela entrevista de emprego. De não conseguir um amor, de amar errado, de não sermos bons pais ou boas mães. De não termos sustento, sucesso, glória, visibilidade. De sofrermos um acidente, de adoecermos, de perdermos alguém querido, de morrermos. O medo da nossa própria morte e da morte daquilo que tanto desejamos é natural e conhecido. Sabemos dele. Reconhecemos. Trememos diante dele. E conseguimos falar dele.

Existe, porém, um outro medo, irmão gêmeo deste, que talvez nos seja difícil conhecer – ou reconhecer. É o aterrorizante medo de que as coisas possam dar certo. Você já se pegou travando diante de uma situação aparentemente boa? Já sentiu seu corpo tremendo quando tudo parecia um mar suave e calmo? Já teve a sensação de que de repente a alegria em excesso seria demais para você e que seria melhor parar por aí? Você já teve medo de seguir adiante em algum plano ou sonho?

O medo de dar certo é o medo da vida em toda a sua potência. A vida em toda a sua potência pode se assemelhar à morte, pode trazer o perigo de morte. Explico de forma simples: uma das primeiras independências de uma criança é caminhar sozinha. Caminhar sozinha quer dizer poder cair. Há um risco. O risco de se cair e se ferir. Mas também o risco de, de repente, não precisar mais do outro. De repente, você pode ir e vir sem que segurem seus braços. E isso é bom. E aterrorizante. A criança, no entanto, na maior parte das vezes, vai. Bravamente, ela vai e segue em frente e corre seus riscos. E passa a ralar seus joelhos e a se ferir. Mas vai. Em sua coragem, a criança vai.

O dar certo, no entanto, continua cheio de riscos. E, com o tempo, talvez mais. Um novo emprego, de maior visibilidade, leva a mais potência, mais independência, e a criança em nós às vezes não acredita na força que tem. Ela treme de medo. Ela pensa que é mais antiga, primitiva, uma criatura menos capaz. Entregar-se nas relações produz vulnerabilidade: o amor abre espaço para alegrias e dores. Muitas vezes já sabemos lidar com as dores, mas saberemos lidar com as alegrias? Saberemos nos permitir ser amados?

O certo é poderosamente incerto. E essa é a graça. A vida está plena da morte de coisas antigas, verdades que não valem mais, certezas que já não cabem. Ao nos descobrirmos capazes fortes, precisamos dar adeus ao que acreditávamos sobre nossa dependência completa do outro. Por outro lado, ao nos permitirmos ser cuidados, aprendemos também que depender – de vez em quando – não faz tão mal assim. O medo de dar certo é o medo de acreditar no que nos soava como impossível.

Podemos viver sem aquela pessoa. Podemos viver com aquela pessoa. Podemos ser pais ou mães. Podemos não ser. Podemos superar as dores mais fundas. Podemos escolher aquele trabalho e conseguir ir bem nele. podemos fazer nossas artes. Podemos fazer nossas alegrias, nossos amores, nossas vidas, nossas cores.

Escute seu medo de dar certo. Ele acontece quando seu corpo grita ou quando sua alma trava. Escute o que ele tem a dizer. E, se for o caso, compartilhe. Quem sabe não é o momento de procurar terapia ou análise? Só uma dica.  Porque é uma barreira que precisamos vencer aos pouquinhos.

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