De partida

Despedimo-nos de nós mesmos todos os dias um pouquinho. Porque a cada instante que passa não somos exatamente os mesmos. Porque vivemos em constante transformação. Despedimo-nos de nós mesmos sempre. Mas especialmente em momentos de mudanças que são importantes para nós. Quando dizemos adeus a roupagens antigas. A adjetivos que não nos cabem mais. A pessoas e situações que faziam parte de nossas vidas.

Estamos sempre de partida para um novo ponto de chegada. Na maior parte das vezes, não temos a menor ideia de que ponto é esse. Outras vezes, podemos até tentar adivinhá-lo, mas teremos inevitáveis surpresas pelo caminho. Pois que navegamos para horizontes incertos. E a graça é isso. O filho que vai chegar. O curso que vai começar. O novo lugar para morar. O primeiro emprego. O novo emprego. O término de um contrato de trabalho. O fim de um relacionamento amoroso. O início de um novo. O saber estar sem um relacionamento. Horizontes incertos: as perdas. As saudades. Aquele adeus que não foi possível dizer. Aquele adeus dito e repetido mil vezes até encontrar a forma mais adequada de expressar. Aquela confissão que andava no fundo na garganta. Sobre se permitir ser quem se é. Horizontes incertos: um reencontro. Um novo encontro. O fim de um ciclo de dor. O reconhecer-se no espelho como uma figura completamente diferente: e, de repente, você nasce outra vez.

Renascimentos são belos. Mas podem gerar ansiedade. De não saber. É como aprender a descobrir o mundo novamente, a partir de outra perspectiva. Um parto de si mesmo: dói. Porque de repente o antigo não faz sentido. Antigas ideias e velhos valores. Talvez o ódio contra si mesmo pela diferença que é a marca de cada ser. E dizer adeus a esse ódio também dói. Porque exige força. Luta. Enfrentamento. Permitir-se ser ético e justo consigo e com o outro é luta e ferida. Mas é exatamente a partir dessas dores que se aprende a ganhar novas forças. Ou são descobertas forças desconhecidas: “então eu sou mesmo capaz de lidar com isso?”. Uma doença ou um cargo novo. Alguém para cuidar ou a perda de alguém. Medos, aflições e descobertas: é possível seguir em frente no ato de parir um novo eu. É um ato que mistura consciência de quem se é com o aspecto inconsciente que permite tatear o desconhecido.

Partamos, pois, para o novo. Anunciemos o início da navegação. É necessário fazer algumas despedidas. Pelo cuidado consigo. Pelo cuidado com o outro. Pelo cuidado com a vida. Deixar para trás algumas coisas – especialmente as grandes e pesadas. É preciso partir de mãos livres, para tocar o novo com coragem. É permitido chorar no adeus. E sorrir na chegada ao outro lado. O outro lado é o outro eu. Um dos muitos possíveis. Não se adivinha como será. É que ele se constrói exatamente no mar, enquanto o barco segue enfrentando a ferocidade das águas. Eis a tão repetida citação de Guimarães Rosa: “A vida é assim: esquenta e esfria, /aperta e daí afrouxa, /sossega e depois desinquieta./O que ela quer da gente é coragem”.  Serve para mares, matas, cidades e sertões. Serve para dentro da gente.

Para 2019, ficam meus desejos de coragem nas chegadas e nas partidas. E, especialmente, no que existe no meio.

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