Lidar com os sentimentos é permitir-se ser inteiro, quebrado, múltiplo: é possibilitar que aquilo que adoece tome forma viva e a saúde se faça presente. Viver é experienciar uma infinidade de sentimentos. Desde pequenos. Às vezes, não sabemos nomear: eles se produzem no corpo, manifestam-se através de pensamentos que se repetem, insistem em acontecer. Nem sempre é preciso nomear. Mas é sempre importante aprender a reconhecer aquilo que nos toca. Aquilo que movimenta por dentro. Saudade, medo, amor, ternura, tristeza, amargura, ciúme, tédio, timidez, apego. E raiva. Hoje escolho falar sobre a raiva. Sentimento forte, intenso, mal falado, aquele sentimento que muitos de nós não gostamos de admitir.
Parto do princípio de que não há sentimento proibido. Todos são sentimentos e todos nós podemos experienciar qualquer um deles em maior ou menor grau. Não há sentimento errado. Ruim é o sentimento mal direcionado. A raiva é um desses sentimentos considerados errados. Na ânsia de ser bons, não admitimos que podemos ser destrutivos. E o mais interessante disso é que, quanto menos admitimos, mais destrutivos nos tornamos. A raiva guardada dentro nos sufoca, nos machuca, faz com que nos voltemos contra nós – e contra o outro – com uma fúria avassaladora: junto dela vêm a culpa e o medo de não sermos tão bons quanto pensamos e queremos. Junto da raiva sufocada, vêm a angústia, a paralisia diante da vida, o pavor de que nos vejam como somos: humanos, simplesmente humanos.
Convido-os a pensar na raiva como uma energia potente. Se algo ou alguma situação nos enraivece, convém acolher o sentimento e compreender o que o provoca. Não estaria um certo acontecimento ultrapassando nosso limite? Não estaria o outro invadindo o nosso espaço? Não estaríamos sendo feridos? Ou uma tal memória retornando forte? O que mais a raiva guarda? Medo, tristeza, solidão, angústia? Do que ela fala? A raiva nos ajuda a reconhecer e enfrentar situações de violência, abuso, assédio: ela nos permite encontrar ferramentas para romper com essas circunstâncias. Indignar-se é fundamental. Reconhecer o insuportável, o inaceitável, o intolerável. Uma relação que precisa de uma quebra, um limite ou um diálogo mais firme.
Os sentimentos contam histórias. Eles puxam o fio da história passada e ajudam a escrever a história futura. Um sentimento sufocado perde essa força.
Acolha, pois, a sua raiva. Permita-se reconhecê-la. Abrace-a e se abrace. Escreva, desenhe, cante, dance, grite a sua raiva. Ela pode ser muito mais construtiva do que destrutiva. Ela pode estar pedindo que você de afaste de algo ou alguém que lhe faz mal. Ela pode querer ensiná-lo a romper com o passado. Ela pode estar impulsionando você a seguir em frente para uma vida mais plena. Ouça a história que ela tem para lhe contar. Não cabe a você a perfeição. Cabe-lhe o direito de ser quem é. No momento presente. E traçando o seu caminho. Com raiva, ternura, tristeza, medo, amor, alegria e tantos e tantos sentimentos possíveis.