Finitude

De onde viemos? Para onde vamos? Qual será o derradeiro dia de nosso adeus? Como será quando perdermos quem amamos? Existe cura para o luto? Conseguimos nos esquecer daqueles que morreram? O que nos resta de quem partiu? O tema da morte nunca é brando. Sempre rodeado de afetos – muitas vezes tristeza, medo, angústia -, o reconhecimento de nossa finitude não é algo simples. Especialmente hoje, em que a ciência médica se desenvolveu de tal modo que pode prolongar a vida ao máximo através de medicamentos, tratamentos cada vez menos invasivos e tecnologias cada vez mais complexas. Afastamo-nos, pois, cada vez mais da morte. E, talvez por isso, ela acaba por se tornar cada vez mais assustadora.

Para tratar da finitude, de temas como a doença, a morte, a perda e o luto, recomendo um livro de extrema delicadeza: “A morte é um dia que vale a pena viver”, de Ana Claudia Quintana Arantes. A autora, médica geriatra e gerontologista, trabalha há anos com cuidados paliativos. Com doçura e simplicidade, convida-nos a pensar a morte a partir da própria vida. Ao falar de pacientes terminais, ela afirma: “O desafio de fazer uma pessoa se sentir viva não é negar o processo de morte dela. Então, se desejamos estar presentes, seja trabalhando, seja vivenciando a morte de uma pessoa que amamos muito, os primeiros desafios são estes: saber quem somos, o que estamos fazendo ali e como faremos para aquele processo seja o menos doloroso possível”.

Ao saber quem somos, reconhecemo-nos tão vulneráveis ao peso da dor e da doença, assim como tão próximos da morte como aquela pessoa que amamos ou de quem nos dispomos a cuidar. Nossa humanidade nos preenche: somos bicho-gente. Nossas células fragilizam-se diante das enfermidade. Nossos sentimentos fortalecem-se diante da adversidade. Somos capazes de prover alívio, na medida em que reconhecemos a dor e não ignoramos a mortalidade. E podemos até nos permitir chorar.

Ao perceber o que estamos fazendo ali, permitimo-nos a entrega dentro de nossas possibilidades. Dentro dos limites do nosso corpo. De nossa mente. De nossa alma. Reconhecer a mortalidade é reconhecer o limite em nós. E saber que o limite não nos faz fracos ou inferiores. Podemos dar aquilo que temos. E o que temos já é muito precioso.

Já para descobrir como fazer para que o processo seja o menos doloroso possível, o processo de dá de forma mais delicada e a cada instante. É perceber no outro suas demandas e seus anseios. Suas dores, seus medos, seus desejos. Escutar com o coração. Não nos assustemos se tropeçarmos um pouco. Lidar com grandes questões, mesmo na sutileza do amor mais terno, é sempre desafiador.

A vida é uma questão gigantesca. A morte também o é. Irmãs, elas caminham juntas, ensinando-nos que nada é para sempre e que, por isso, vale à pena aproveitar um pôr-do-sol. Uma grama úmida. Um caminhar de mãos dadas. A vida é bela porque deixa saudades. O luto é sempre o amor em dobro. Não há esquecimento. Há o tempo lançando sua água benta na dor. Lavando a alma. E permitindo memórias delicadas. De êxtase. Ternura. Sabedoria. Saudade. Infância e velhice caminham de mãos dadas. O tempo é único.

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